EQUILÍBRIO PÉLVICO FRONTAL E TESTE DE ADAMS

                              

Nos anos 1980 quando Marcel Bienfait introduziu entre nós sua avaliação clínica postural, um dos primeiros itens discutidos foi a importância do equilíbrio da pelve no plano sagital para o desenvolvimento de todas as avaliações posturais do tronco.

De início avalia-se o nivelamento das cristas ilíacas no plano frontal, afundando as mãos abertas nos ângulos da cintura e em seguida apoiando-as com a mesma força sobre as cristas ilíacas. Abaixa-se o olhar até o nível das mãos e se julga se estão niveladas. Em caso negativo colocam-se lâminas de cerca de 4mm cada sob o pé do membro inferior que se julga mais curto e se reavalia. Se o calço escolhido for excessivo se retira uma lâmina, se for insuficiente se acrescenta, refazendo-se o teste a cada altura de compensação até se chegar ao equilíbrio. Isso porque um encurtamento de um membro inferior, com consequente rebaixamento da pelve para o mesmo lado, exige uma compensação lombar em látero-flexão para o lado oposto, o que centraliza o centro de gravidade do corpo reestabelecendo o equilíbrio. Portanto, sabemos que uma discrepância de comprimento de membros inferiores é a causa de uma látero-flexão lombar, que por vezes se estende até o nível torácico. Eliminando-se uma coisa se elimina a outra. Se a assimetria do ângulo da cintura, o desequilíbrio da cintura escapular, o afastamento de um membro superior da lateral do quadril mais importante que o outro desaparecer com o calço sob um dos pés, sabemos que todos estes desequilíbrios posturais estão ligados à discrepância de comprimento de membros inferiores. A partir daí já entendemos causa e consequências. Todo e qualquer desequilíbrio que observarmos a partir daí no tronco, deve estar ligado a outras causas, que devem ser pesquisadas. Isto inclui a rotação do tronco que avaliamos no teste de Adams.

Neste teste, ao inclinarmos o tronco para frente com a pelve em desequilíbrio no plano frontal, o lado da pelve mais elevado levará a lombar homolateral a se apresentar mais elevada que o outro lado e a um resultado de rotação positivo no escoliometro. Ao se repetir o teste com a pelve devidamente equilibrada a rotação desaparece. Por esta razão, sempre pratiquei este teste, assim como toda avaliação referente ao tronco, em equilíbrio frontal da pelve.

Na palestra do Dr. Grivas sobre triagem escolar, proferida on line no 5º seminário avançado da Sociedade Brasileira de Escoliose, vi que esta abordagem do problema também faz parte do protocolo dele, que hoje é das maiores autoridades internacionais sobre triagem escolar da escoliose idiopática. Em seu protocolo, ele defende o teste de Adams na posição em pé e na posição sentada, com o objetivo de verificar se o grau de rotação do tronco avaliado no escoliometro se mantem ou não. Claro que a posição sentada é uma forma mais fácil e rápida de equilibrar-se a pelve no plano frontal, o que é importante para rastreamento escolar, quando dezenas de crianças devem ser examinadas em um dia. (A transcrição desta palestra pode ser encontrada neste mesmo blog).

Pesquisei os artigos que ele publicou onde esmiúça esta questão. Em seu “Estudo sobre assimetrias do tronco em crianças e adolescentes” (5) publicado em 2006, examinou 2071 indivíduos, com faixa etária de 5.5 a 18 anos, dos quais 1099 eram meninos (53.1%) e 972 meninas (46.9%).

Itens avaliados na triagem: características demográficas (imagino que isso queira dizer características étnicas e latitude em que vive); características somatométricas (imagino que seja peso e altura); morfologia dorsal (ATR) com escoliometro, isto é,  teste de Adams em pé e sentado.

No teste de Adams em pé anotava-se o grau de rotação e a localização da gibosidade: torácica, tóraco-lombar ou lombar.

No teste de Adams em posição sentada, com cabeça e braços soltos entre os joelhos, anotavam-se os mesmos dados.

Simétrico era o resultado em qualquer área igual a zero grau. Assimétrico qualquer resultado acima disso.

As crianças com ATR positivo foram divididas em dois grupos:    ATR < 7° e   ATR ≥ 7°

Foram encaminhados para avaliação clínica todos os do 2º grupo (ATR maior que 7°) e crianças do primeiro grupo com ATR entre 5º e 6º com fortes indícios clínicos de escoliose.

Itens pesquisados na avaliação clínica:

Medidas de comprimento de membros inferiores – em decúbito dorsal media-se a distância entre a EIAS e maléolo interno.

ATR em pé e sentado. Se houver diferença entre as medidas nas duas posições, esta diferença é chamada correção da ATR (CATR).

RESULTADOS DA AVALIAÇÃO DO GRUPO COM ATR  ≥ 7°

Frequência de assimetrias de meninos em pé:

  ≥ 7° esquerda≥ 7° direitaTotal de desvios
Giba torácica0.46%1.20%1.66%
Giba toraco-lombar1.67%2.32%3.99%
Giba lombar1.48%2.59%4.07%

Frequência de assimetrias em meninos sentados:

  ≥ 7° esquerda≥ 7° direitaTotal de desvios
Giba torácica00.74%0.74%
Giba toraco-lombar0.64%1.57%2.21%
Giba lombar0.37%1.57%1.94%

Frequência de assimetrias em meninas em pé:

  ≥ 7° esquerda≥ 7° direitaTotal de desvios
Giba torácica0.62%2.71%3.33%
Giba toraco-lombar1.04%3.03%4.07%
Giba lombar0.73%3.65%4.38%

Frequência de assimetrias em meninas sentadas:

  ≥ 7° esquerda≥ 7° direitaTotal de desvios
Giba torácica01.46%1.46%
Giba toraco-lombar0.83%2.29%3.12%
Giba lombar0.41%1.67%2.08%

Avaliação radiográfica:

Número de crianças examinadas: 23

Ao Raio X todas com Cobb > 10°

No grupo com 5° e 6° e sinais clínicos importantes de presença de escoliose nenhuma apresentou Cobb >10°.

DISCUSSÃO:

  1. Este estudo confirma os valores defendidos por Bunnell para um valor crítico de 7° no escoliometro como limite para se considerar a importância da curva, visto que todas as crianças acima desde limite apresentavam Cobb maior que 10° e todas abaixo disto com 5° ou 6° não apresentavam apesar de fortes sinais clínicos.
  2. Assimetrias do tronco (gibosidades) são vistas em crianças sem curvas espinhais. ATR<6° se considera como associada a ausência de escoliose. No entanto ATR entre 5°e 6° são controladas a cada 4 ou 5 meses. Em estudos anteriores se relata que Cobb>10° está presente em 2% de adolescentes entre 12-16 anos.
  3. Parte da lateroflexão é devida à diferença de comprimento de membros inferiores, o que pode ser facilmente detectado pela adoção da avaliação clínica na posição sentada, quando o grau de rotação do tronco desaparece ou diminui, ao ser comparado à medição em pé. Isto em todos os níveis, apesar de ter sido mais evidente na região lombar. A correlação entre correção da ATR e diferença de comprimento de membros inferiores foi alta.
  4. Lembrando estudos anteriores que relata Cobb>10° presente em 2% de adolescentes entre 12-16 anos, vemos que essa porcentagem se aproxima daquela encontrada neste estudo no grupo de 7° ou mais na posição sentada.
  5. Existem estudos que falam em assimetrias para a esquerda mais frequentes em crianças pequenas, enquanto assimetrias para a direita aparecem com mais idade(1). Neste estudo a frequência de assimetrias para a direita foi quase duas vezes maior para a direita nas crianças mais velhas, isto não se verificou no grupo de meninos menores de 6 anos.

RELAÇÃO ENTRE DIFERENTES COMPRIMENTOS DE MEMBROS INFERIORES E ESCOLIOSE

Portanto, o teste de Adams na posição sentada é preferível à posição em pé. Os resultados do estudo atual justificam pesquisas adicionais para explorar mais detidamente esta hipótese.

O padrão de escoliose associada a uma diferença de comprimento de membro inferior (anisomelia) é usualmente descrito como compensatório, não estrutural e não progressivo.

(5) Papaioannou T, Stokes I, Kenwright J: Scoliosis associated with limb-length inequality. J Bone Joint Surg. 1982, 64A: 59-62.

Neste estudo, os registros e avaliação física de vinte e três adultos jovens que tiveram desigualdade significativa no comprimento dos membros inferiores não tratada, presente desde a infância foram estudados radiografica e clinicamente antes e depois da neutralização da discrepância dos comprimentos dos membros inferiores com um calço. Os movimentos da coluna também foram medidos. Uma assimetria significativa da flexão lateral da coluna permaneceu em quase todos os pacientes após a neutralização da discrepância. A escoliose lombar associada à desigualdade no comprimento dos membros foi compensatória e não progressiva, mas anormalidades do ângulo de Cobb e da rotação axial permaneceram nos adultos jovens. Nenhuma relação foi encontrada entre a causa subjacente da anisomelia ou sua duração e a gravidade da anormalidade espinhal. A escoliose foi menor em pacientes com discrepâncias de menos de 2,2 centímetros. Nenhum paciente se queixou de desconforto significativo nas costas, nem foram evidentes alterações radiográficas degenerativas.

(6) Fontanesi G, Giancecchi F, Rotini R: Segmental shortening and equalization for leg length discrepancies in adults. Italian Journal of Orthopaedics & Traumatology. 1987, 13 (1): 45-54.

Os autores relatam 8 casos de discrepância de comprimento de membros inferiores em adultos jovens (de 16 a 35 anos), tratados cirurgicamente por técnicas de encurtamento ou equalização. As diferenças de comprimento variavam entre 2,5 a 12 cm. A sustentação total do peso foi permitida em 2 a 6 meses, dependendo do método cirúrgico usado. A discrepância foi completamente equalizada em 2 casos; nos demais a discrepância residual variou 0,5 a 2 cm. O encurtamento médio foi de 3,8 cm. Houve escoliose lombar secundária em 5 casos; isso melhorou em uma média de 12° após a operação e a dor lombar sempre foi aliviada. Todos os pacientes se declararam satisfeitos com os resultados. Apesar de não haver detalhamento sobre o grau de “escoliose” pré e pós cirúrgica, se houve em média uma melhora de 12° no conjunto, o que é significativo, isso quer dizer que grande parte do Cobb era devida à látero-flexão compensatória associada ao encurtamento de membros inferiores.

(7) Gibson PH, Papaioannou T, Kenwright J: The influence on the spine of leg-length discrepancy after femoral fracture. J Bone Joint Surg. 1983, 65B (5): 584-7.

Aqui foram estudadas as colunas de 15 pacientes, com desigualdade significativa no comprimento de membros inferiores, como resultado de fraturas da diáfise femoral sofridas após a maturidade esquelética, mas abaixo da idade de 21 anos. Os pacientes foram examinados pelo menos 10 anos após a fratura. As colunas foram estudadas clínica e radiograficamente antes e depois da correção da discrepância com um calço no sapato. A flexão lateral da coluna foi medida a partir de radiografias. A escoliose lombar associada à desigualdade no comprimento de membros inferiores era compensatória: após a equalização do comprimento, a látero-flexão e a rotação axial foram corrigidas completamente. Houve também uma amplitude igual de flexão lateral para ambos os lados após a correção. Nenhum paciente se queixou de desconforto significativo. Anormalidades estruturais ou alterações degenerativas não foram vistas nas radiografias.

Este é um assunto pouco estudado. Em crianças saudáveis encurtamento fisiológico de membros inferiores de 1 a 2 cm associa-se com gibosidade contralateral no teste de Adams (5).  

O exame da presença de gibosidade, com a criança colocada na posição sentada e inclinada para frente, expressa assimetria real do tronco, por eliminar desequilíbrio da pelve e qualquer efeito da desigualdade do comprimento dos membros inferiores na forma da lombar e gradil costal.

Além disso, devemos lembrar que estudos anteriores relatam Cobb>10° presente em 2% de adolescentes entre 12-16 anos, e que essa porcentagem se aproxima daquela encontrada neste estudo no grupo de 7° ou mais na posição sentada.

Para ser absolutamente honesta e imparcial encontrei a citação de um trabalho (3) em artigo do Dr Grivas (5), no qual os autores afirmam ser muito difícil de estabelecer a causa da escoliose porque pode envolver um grande número de mecanismos diferentes agindo isoladamente ou em combinação (até aí concordamos, é o que muitos afirmam atualmente). Sugerem que provavelmente o principal fator, entre outros, é a discrepância de comprimento de membros inferiores muito frequente em crianças antes da puberdade. Este artigo é de 1962, e não encontrei sequer o resumo disponível. Devemos ler isto com cautela, porque desde a década de 1960 muito se estudou e pesquisou sobre as possíveis causas da escoliose idiopática. Hoje cogita-se sobre aspectos hormonais, genéticos e muitos autores dedicados aos aspectos biomecânicos dão muita ênfase ao desequilíbrio no plano horizontal como possível desencadeador da afecção. Posso citar Perdriolle nos anos 1970, cujas afirmações são corroboradas por René Castelein hoje em dia. A este propósito você pode ler três artigos postados neste mesmo blog por ocasião do terceiro congresso brasileiro de escoliose em 2024.  

Bibliografia:

  1. Grivas TB, Nakos B, Kouvaras J, Kalamakis N, Polyzois D: Study of the natural history of the back trunk shape by the use of scoliometer, in children aged 5–12 years. Research into spinal deformities 2. Edited by: Stokes IAF. 1999, Ohmsha, Amsterdam, Berlin, Oxford, Tokyo, Washington DC: IOS Press, 223-226.
  2. Burwell RG, James NJ, Johnson F, Webb JK, Wilson YG: Standardized trunk asymmetry scores – a study of back contour in healthy children. J Bone Joint Surg.1983, 65B: 452-463.
  3. Ingelmark BE, Lindstrom J: Asymmetries of the lower extremities and pelvis and their relations to lumbar scoliosis. Acta Morphol Scan. 1962, 5: 221-234.
  4. Adams W: Lectures on the Pathology and treatment of lateral and other forms of curvature of the Spine. 1865, London: Churchill
  5. Theodoros B GrivasElias S VasiliadisGeorgios KoufopoulosDimitrios SegosGeorgios Triantafyllopoulos, Vasilios Mouzakis –   Study of trunk asymmetry in normal children and adolescentsScoliosis volume 1, Article number: 19 (2006)

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