AFINAL, QUEM É O MÚSCULO MULTÍFIDO?

Fiz uma revisão da descrição anatômica dada a esse músculo em livros de diferentes origens.

Francesa – Rouvière

Inglesa – Gray

Americana – Netter

Alemã- Platzer

Transcrevo a seguir as descrições que encontrei em cada um deles. 

Se não quiser, ou não tiver tempo, para essa leitura inicial vá direto aos comentários, onde traço uma síntese de tudo que encontrei.

O músculo Multífído está sempre descrito dentro de um grupo muscular (o dos transversos espinhais) e a classificação desse grupo varia um pouco de autor para autor. A seguir a descrição encontrada em cada trabalho.

 No Rouvière (1), de longe o livro mais citado pelos franceses, encontramos:

Transverso espinhal é um músculo muito longo, apoiado diretamente sobre a coluna vertebral, desde o sacro até o axis dentro da goteira situada entre as apófises espinhosas e as transversas.

De cada lado o músculo se compõe de vários grupos ou varias séries de feixes musculares.

De acordo com Trolard, cada grupo se origina sobre uma apófise transversa e se insere nas espinhosas superiores. Winckler considera que a origem é na espinhosa e a inserção nas transversas subjacentes. (Vou aqui considerar a teoria de Trolard, visto tratar-se de um musculo por excelência estático e, como tal, na maioria das situações da vida cotidiana deve tomar ponto fixo em baixo, controlando os segmentos acima dele, nos quais se insere).

Os feixes musculares partem todos de uma apófise transversa e dividem-se em quatro:

Curto lamelar-toma inserção na lâmina da vértebra situada acima da de origem.

Longo lamelar-toma inserção na lâmina da segunda vértebra acima da origem, pouco mais medialmente que o anterior.

Espinhal curto  toma inserção sobre a base da apófise espinhosa da terceira vértebra acima da inserção

Espinal longo toma inserção sobre o ápice da espinhosa da quarta vértebra acima da inserção.

No Atlas de Anatomia Humana do Netter (2)

Identificam-se os músculos:

 Rotadores longos correndo de uma transversa para duas espinhosas acima de sua inserção

Rotadores curtos correndo de uma transversa para duas acima

Multífidos em feixes mais longos correndo látero-medialmente em comprimentos que correspondem a mais ou menos a distância entre três ou quatro  vértebras.

Semi espinhais em feixes também oblíquos em direção transversa-espinhosa ainda mais longos que os anteriores.

 

 

No Gray Anatomia (3)

Músculo transverso espinhal:

Este grupo muscular consiste nos seguintes:

Semi espinhal do tórax                     Multífidos                     Rotadores do tórax

Semiespinhal do pescoço                                                         Rotadores do pescoço

Semi espinal da cabeça                                                             Rotadores da cabeça

Semi espinhal do tórax  parte de fixações inferiores nos processos transversos da 6ª à 10ª vértebras torácicas e sobe para os processos espinhosos das quatro vértebras torácicas superiores e das duas vértebras cervicais inferiores.

Semiespinhal do pescoço parte das transversas das cinco ou seis vértebras torácicas superiores e insere-se nas espinhosas da quinta à segunda vértebra cervical. O fascículo do axis é o maior e essencialmente muscular.

Semi espinhal da cabeça parte das transversas das seis ou sete primeiras vértebras torácicas, sétima cervical e processos articulares da 4ª à 6ª cervicais e insere-se superiormente no occipital.

Multifidos

Inserem-se na região do sacro do quarto forame para cima, na aponeurose do eretor da espinha(*)  , na espinha ilíaca póstero superior, ligamentos sacroiliacos dorsais, em todos os processo mamilares das vértebras lombares (* * )  em todos os processos transversos das torácicas e nos processos articulares das quatro vértebras cervicais inferiores (***). Os fascículos mais superficiais sobem medialmente até o processo espinhoso da terceira ou quarta vértebra acima, os mais profundos de uma vértebra para a segunda ou terceira acima ou até unindo vértebras adjacentes.

Rotadores do tórax

Localizam-se mais profundamente aos Multífidos. Existem 11 pares reunindo a parte póstero-superior de uma transversa à borda inferior e face lateral da lâmina imediatamente acima. O primeiro encontra-se entre a 1ª e 2ª  vértebra torácica o ultimo entre 12ª e 11ª. Um ou mais podem estar ausentes na extremidade inferior e superior da série.

Rotadores do pescoço e lombar

São músculos variáveis, irregulares, com inserções semelhantes aos anteriores.

(*) O músculo por vezes denominado Eretor da espinha, na realidade é composto por três músculos: Iliocostal, Longuissimo do tórax e Espinhal do tórax, cada um correndo paralelamente de um lado e outro das vértebras, desde a lombar a até a cervical. Pode resistir à inclinação anterior ou trazer de volta a coluna para a vertical a partir da posição inclinada para frente

(**)Aquilo que consideramos a apófise transversa lombar é, na realidade, uma apófise costiforme (processus costarii ) derivada de um esboço de costela que se soldou ao corpo vertebral . Atrás dela encontram-se duas saliências, o tubérculo acessório (processus acessorius) , de tamanho variável e o tubérculo mamilar (processus mamillaris), implantado sobre a apófise articular superior que, juntos, constituem os vestígios restantes da apófise transversa.

 

 

(***)Na cervical o músculo não se insere nas transversas porque estas se encontram para frente, e não no plano frontal médio como as articulares cervicais. Estas se encontram em um plano contínuo com as articulares torácicas.

No Platzer (4)

A musculatura vertebral é descrita em duas camadas, uma lateral mais superficial e outra mais medial e profunda. Nesta última encontramos dois tipos de músculos, alguns mais longitudinais ( inter espinhosos, inter transversos e espinhal do tórax) e outros mais oblíquos que correm da região das transversas para as espinhosas. Estes últimos são descritos como :

Rotadores curtos e longos do pescoço (rotatores cervicis ) do tórax (rotatores thoracis ) e da lombar (rotatores lomburum).

Existem, sobretudo, na região torácica. Nascem das apófises transversas e dirigem-se às apófises espinhosas seja de uma ou duas vértebras suprajacentes onde se inserem sobre a base destas.

Multífido (multifidus)

Formado por numerosos feixes musculares do sacro à segunda vértebra cervical. Na lombar é o mais volumoso. Origem: aponeurose de revestimento do músculo grande dorsal, face posterior do sacro, tubérculos mamilares lombares, apófises transversas torácicas, apófises articulares cervicais. Estes feixes pulam de duas a quatro vértebras para inserir-se nas espinhosas das vértebras a este nível.

Semi espinhal

Situado fora do multífido divide-se em três porções:

Semi espinhal torácico (semispinalis thoracis), do pescoço (semispinalis cervicis) e semi espinhal da cabeça (semispinalis capitis).

Semi espinhal torácico (semispinalis thoracis), do pescoço (semispinalis cervicis) originam-se das apófises transversas de todas as vértebras torácicas e inserem- se sobre as apófises espinhosas das 6 vértebras torácicas superiores e 4 cervicais inferiores.

Semi espinhal da cabeça (semispinalis capitis) origina-se das apófises transversas das 4a  à 7a  vértebras torácicas superiores e das 5 cervicais inferiores. Insere-se no occipital entre as linhas curvas superior e inferior.

Nômina Anatômica 5ª ed aprovada pelo 11º Congresso Internacional da Cidade do México em 1980 (5)

Nessa Nômina se encontra:

MÚSCULO TRANSVERSO ESPINHAL:

  1. Semi espinhal
  2. Semi espinhal do tórax
  3. Semi espinhal da cabeça
  4. Semi espinhal do pescoço

Mm Multífidos

Mm Rotadores

Mm Rotadores cervicais

Mm Rotadores torácicos

Mm Rotadores lombares

 

COMENTÁRIOS 

  1. No Rouvière encontramos Transverso Espinhal como o nome de um músculo que se divide em quatro feixes, que, partindo de uma transversa tomam inserção nas quatro espinhosas situadas acima. O primeiro é denominado lamelar curto, o segundo lamelar longo o terceiro curto espinhal e o quarto longo espinhal. Não encontramos aqui o nome Multífido.

Os franceses adoram inventar nomes para os músculos, distanciando-se muito da Nomina Anatomica. Creio que por essa razão o Rouvière publica no inicio do primeiro volume, dos três que constituem o seu compêndio de Anatomia Humana, uma Nomina   Anatômica (nomenclatura internacional adotada em Paris em 1955 e revisada em 1960). Minha edição é a 13ª publicada em 1991. Não sei se desde então alguma alteração foi feita. Nessa Nomina do primeiro volume, encontro que músculo transverso espinhal é igual a Multifido. Quanto a lamelar longo e curto não são citados mas, pela descrição trata-se sem dúvida dos rotadores longo e curto dos demais autores.  Os franceses são os únicos que chamam os rotadores de lamelar, por inserirem-se na lâmina e não propriamente nas espinhosas.

De todos os textos, o Rouvière me parece o mais lamentável. Não segue a Nomina  Anatomica, não esclarece que lamelar é rotador nem sequer na Nomina colocada no inicio do primeiro volume da obra, e a denominação  curto espinhal e longo espinhal (que correspondem ao multífido e semi espinhal) não  é encontrada em nenhum dos outros textos consultados.

  1. A edição que tenho do alemão Platzer é francesa, coordenada por C. Cabrol. Ao longo de todo o texto empregam sempre os nomes inventados pelos franceses (exceto curto e longo espinhal no lugar de multífido e semi-espinhal), mas Cabrol toma o cuidado de, entre parênteses, colocar sempre em itálico o nome em latim que corresponde à nomenclatura internacional. Sempre me pautei muito pelo esquema que lá se encontra, no qual são descritos e nomeados músculo rotador curto (que vai de uma transversa para a região da espinhosa da vértebra imediatamente acima), músculo rotador longo (que vai de uma transversa até a região de duas espinhosas acima) e o Multífido que partindo da transversa insere-se na espinhosa de duas a quatro vértebras acima.  No esquema ilustrativo ele é representado subindo três vértebras. A descrição do Platzer coincide com o Gray e com o Netter.
  2. Os semi espinhais, como correm cinco ou mais vértebras acima da origem para encontrar seu ponto de inserção, toma origem em todas as transversas torácicas e inserem-se nas seis espinhosas torácicas superiores (corresponde mais ou menos à porção denominada semiespinhal do tórax) e nas quatro espinhosas das quatro cervicais inferiores (corresponde mais ou menos à porção denominada semi espinhal cervical.                                 
  3. O semi espinhal da cabeça (semispinalis capitis), origina-se de quatro a sete apófises transversas torácicas superiores, das apófises articulares das cinco cervicais inferiores e, juntando  seus feixes, se insere no occipital, a vértebra cervical numero zero, formando um músculo à parte, com características diversas daquele esquema oblíquo. É mais longitudinal e muito potente.
  4. Observar que todos os feixes musculares desse grupo transverso espinhal que se origina nas apófises transversas torácicas, na região cervical se originam nas apófises articulares. Isso porque as articulares cervicais estão no mesmo plano das articulares torácicas. As transversas cervicais estão muito anteriorizadas, recobertas pelos músculos Esternocleidomastoideos.                    
  5. Quanto ao Multífido, de todos os transversos espinhais, é o únicoque estende suas inserções a fáscias e ossos fora do eixo raquidiano. Platzer atribui inserções na aponeurose de revestimento do músculo grande dorsal e Gray  na aponeurose do eretor da espinha (*) , na espinha ilíaca póstero superior e ligamentos sacroiliacos dorsais. Isso dá a impressão de que sua função possa ser, entre outras, de tensionar essas estruturas em uma ação de vocação estabilizadora. Quanto aos planos de cada grupo muscular, o Gray localiza os rotadores em um plano mais profundo, Multifidos em plano  intermediário e os semi espinhais em plano mais superficial. Platzer situa os semi espinhais para fora da região dos Multífidos. Assim, parece que na região torácica os Multífidos são mais superficiais e na lombar mais volumosos e também mais superficiais, visto que  não são descritos feixes dos semiespinhais na região lombar.
  6. Assim, entende-se quando os pesquisadores de estabilização segmentar lombar falam de experiências nas quais colocam a agulha para o registro de atividade muscular da musculatura paravertebral profunda e referem-se sempre a Multífidos e não a Transversos Espinhais. Creio que podem com alguma segurança garantir que a agulha se situa dentro da massa dos Multífidos e não atinja o plano dos rotadores. Nessa região lombar medial, dos para-vertebrais eles são os mais superficiais. Os músculos paravertebrais mais longos e ainda mais superficiais são laterais e correm do ilíaco em direção às costelas, portanto não os encobrem.

(*) O músculo por vezes denominado Eretor da espinha, na realidade é composto por três músculos: Iliocostal, Longuissimo do tórax e Espinhal do tórax, cada um correndo paralelamente de um lado e outro das vértebras, desde a lombar a até a cervical. Pode resistir à inclinação anterior ou trazer de volta a coluna para a vertical a partir da posição inclinada para frente

 

BIBLIOGRAFIA

  1. Rouvière, H.;Delmas, A. Anatomie Humaine. 13ª ed Paris: Masson, 1991
  2. Netter, F.H.Atlas de Anatomia Humana Porto Alegre, Artes Médicas, 1996
  3. Gray Anatomia, 37ª edição, Rio deJaneiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 1995
  4. Platzer, W; édition française par C. Cabrol; Anatomie Appareil locomoteur . 2ª ed Paris, Flammarion Médecine-Sciences, 1982
  5. Nomina Anatomica, 11º Congresso de Anatomistas, Cidade do México em 1980. 5ª ed Rio de Janeiro, 1987

 

14 comentários sobre “AFINAL, QUEM É O MÚSCULO MULTÍFIDO?

  1. Parabéns Angela!!! Muito interessante a pesquisa principalmente por ter sido feita com base na bibliografia de diferentes autores e diferentes funções do Multifidio embora todos o descrevam como grupo muscular do Tranverso Espinais sua classificaçao muda de autor para autor e o estudo compararativo nos dá uma riqueza enorme na sua abordagem anatomica
    A pesquisa deveria ser publicada.

  2. FANTÁSTICO. Sempre temos muito a aprender com você.
    Querida Ângela, qta gratidão ter conhecido vc bem cedo na minha carreira. Sempre transferindo o que sabe com amor e sem reservas.

  3. Ângela
    Bem importante é sua revisão e terei q ler várias vezes para capta-lá!
    Agradeço seu empenho em dividir conhecimento…linda ação.
    Bjocas

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