IIICBE: COLETES 3D: CONCEITO E BASES PARA A CONSTRUÇÃO

III CONGRESSO BRASILEIRO DE ESCOLIOSE

 

Palestra de Raul Ferrera Hernandez

Ortesista e fisioterapeuta especializado no tratamento conservador da escoliose BSPTS.

Diretor de controle de qualidade na Align Clinic California EUA

Responsável pelo design 3D do colete WCR

 

 

Ao se falar sobre coletes é necessário falar sobre evidências.

 

Effects of Bracing in Adolescents with Idiopathic Scoliosis

Stuart L. Weinstein, M.D., Lori A. Dolan, Ph.D., James G. Wright, M.D., M.P.H., and Matthew B. Dobbs, M.D.

 

O estudo com maior evidência que temos é este acima citado, publicado em 2013 no The New England Journal of Medicine.

Sua conclusão é a de que o uso do colete diminui significativamente o risco de progressão das curvas de alto risco, o que evita que cheguem ao limiar para a cirurgia em pacientes com escoliose idiopática do adolescente. O benefício foi tanto maior quanto maior o tempo de uso da órtese.

Este artigo estimulou muita gente, que até então não prescrevia coletes, passar a prescreve-los.

Os coletes que eram unidimensionais. Graças aos conhecimentos atuais sobre a natureza da escoliose, acabamos transformando-os em um colete 3D.

Uma das primeiras perguntas que sempre fazem ao palestrante em uma apresentação ou curso é como se fabrica um colete 3D. Ele acredita que esta deveria ser a última pergunta a ser feita. As primeiras deveriam ser:

  1. Entendo a natureza tridimensional da escoliose?
  2. Quais os princípios gerais do colete 3D?
  3. Como aplicar tais princípios a cada caso específico de escoliose?
  4. Tenho uma estratégia definida e sei o que fazer frente a um novo paciente?
  5. Há alguém que me ajuda neste processo que possa atuar como um crítico do meu trabalho e a quem eu possa recorrer regularmente?
  6. Faço um colete de acordo com o raio X ou com a apresentação clínica do cliente? (O palestrante acredita que mais comumente se trata a radiografia, sendo que se apresenta diante de nós um ser humano).
  7. Como posso dizer se o colete está ou não funcionando ou se estou apenas preocupado com o ângulo de Cobb?
  8. Faço parte de uma equipe interdisciplinar que entende os conceitos de um colete 3D?

Depois de encontrar respostas para tudo isso, não é necessário responder à primeira questão.

Natureza da escoliose

Sabemos ser a escoliose uma deformidade tridimensional. O palestrante cita sua definição preferida de escoliose: “uma deformidade  torcional complexa em 3D da coluna e tronco, que aparece em crianças aparentemente saudáveis e que pode progredir dependendo de múltiplos fatores durante qualquer período de pico de crescimento ou durante a vida adulta”.

Mesmo sem acesso à tecnologia podemos ver clinicamente a tridimensionalidade da escoliose. Além da flexão lateral, a lordotização se torna evidente pelo dorso que foge anteriormente, retificando-se ou tornando-se cavo, a torção pela gibosidade que de início aparece na inclinação anterior e posteriormente em qualquer posição.

2016 Jul 28;11(7):e0160267. doi: 10.1371/journal.pone.0160267. eCollection 2016. Anterior Overgrowth in Primary Curves, Compensatory Curves and Junctional Segments in Adolescent Idiopathic Scoliosis  Tom P C Schlösser 1Marijn van Stralen 2Winnie C W Chu 3Tsz-Ping Lam 4Bobby K W Ng 4Koen L Vincken 2Jack C Y Cheng 4René M Castelein 1

Sabemos também, graças e estudos do dr. René Castelein (artigo acima citado) que essa extensão ou lordotização  da coluna ocorre por um maior crescimento do corpo vertebral. Este crescimento não é generalizado, mas se limita às curvas primárias e compensatórias. As áreas de junção não são afetadas, mas são retificadas.

O desvio lateral, rotação e crescimento anterior estão inter-relacionados e associam-se a um mecanismo torcional.

Para Jean Dubousset a deformidade escoliótica pode ser descrita como combinação de regiões torcionais unidas por pontos de transição. Cada uma dessas regiões comporta um número variável de vértebras que podem estar em lordose, rodadas e desviadas para o mesmo lado.

Atualmente o perfil sagital é sempre levado em conta em qualquer tratamento de escoliose. Conhecemos melhor a relação entre estas curvas sagitais, se o perfil sagital é ou não harmônico e como a escoliose o altera.

Princípios gerais

Para Dubousset, qualquer tratamento da escoliose deve buscar um alinhamento nos três planos e a correção deve ocorrer através de forças destorcionadoras.

Para Manuel Rigo “corrigir a coluna escoliótica em 3D somente é potencialmente possível aplicando-se forças combinadas diretamente na coluna vertebral,  com a força principal desrotacional aplicada ventralmente. Mas… o fazemos através de forças aplicadas sobre o tronco, não sobre a coluna vertebral.”

Uma vez que é claro ser necessário aplicar forças destorcionais, resta saber os princípios do colete a ser desenhado.

Existem várias escolas cada uma com seu princípio:

Colete simétrico: Milwaukee, Lyon, Boston, SPoRT

Colete noturno: Charleston, Providence, nBrace

Colete assimétrico: Chêneau, Rigo-Chêneau, WCR, AT Brace, ART Brace, DDB, TriaC, 3D Brace, Scoliologic Braces, LA Brace

Colete Strap-Based: SpineCor

Não se trata aqui de um ser melhor ou pior. Cada especialista tem sua arma que quando bem utilizada pode produzir bons resultados.

O palestrante produz o colete do WCR (Wood-Cheneau-Rigo). Ele trabalha com o Dr Wood, inspirado no Dr Rigo, por sua vez inspirado no Dr Chêneau, inspirado nos grandes professores franceses que por sua vez inspiraram-se em etc, etc. Isto é, ele considera que nada foi inventado. Adaptam as coisas conforme as evidências vão surgindo e conseguem tratar a escoliose cada vez melhor. No caso de coletes 3D tentam adotar no tronco e na coluna uma postura adequada nas três dimensões através de uma combinação de forças graças a apoios específicos. O paciente tem que poder respirar, tem que poder se mexer. Então, não é um colete de contato total e simétrico como o antigo colete Boston, que era simétrico. São projetados de forma personalizada e a correção dependerá de muitos fatores entre eles do nível, da forma e da orientação da deformidade.

Os princípios que segue o palestrante são os mesmos seguidos pelo Dr. Rigo:

  1. Derotação regional
  2. Forças de Contra-rotação caudal e cranial
  3. Alinhamento frontal mediante sistema de três pontos
  4. Equilíbrio no plano sagital
  5. Mecanismo dinâmico contra lordotização da área torácica.

Consideremos uma escoliose típica, torácica direita, lombar esquerda estruturadas. Segundo Dubousset temos, neste caso, duas áreas principais a serem destorcionadas – a torácica e a lombar. Mas teríamos que considerar quatro regiões corporais, juntando a zona da cintura escapular e a pélvica. Se quisermos corrigir a lombar precisamos aplicar duas forças no mesmo nível e em sentido contrário.  Serão necessárias forças de derotação em sentidos opostos. Neste caso considerado, uma deve ser aplicada no sentido do glúteo à direita e na zona axilar posterior esquerda. Em muitos exercícios corretivos para a escoliose o fisioterapeuta coloca saquinhos e apoios para que o cliente consiga sentir o que precisa fazer. No colete se pratica algo parecido: além das forças derrotadoras, o colete também age na região lateral. Porém, se tradicionalmente a curva era corrigida por pressões laterais, aqui o sistema de três pontos laterais é apenas um guia para manter o paciente alinhado no plano frontal, não se pressiona o paciente de fora para dentro. Além disso, o perfil sagital deve ser mantido o mais perfeito possível.

Lutar contra a “lordotização” torácica é complicado. Isso deve ser feito através de  mecanismos indiretos, nesse caso a respiração. O contato que faremos na região torácica produzirá dois vetores e estes se decompõem em forças resultantes. Não é o colete que faz uma força contra o paciente, é o paciente que respira contra o colete e como resposta, (segundo a lei de Newton de ação e reação), o colete devolve a força para o paciente.

A mecânica respiratória cria um par de forças interno para derotação e correção parcial do dorso plano estrutural.  Este apoio é planejado de forma personalizada, o que é difícil de calcular.

Um vídeo foi mostrado, onde se visualiza (de cima para baixo) o dorso de um cliente usando um colete. Notamos que há uma folga entre a pele e o colete. Ao respirar, a coluna e costelas expandem para trás, em direção ao colete, “cifosando” a região. Para tanto, é necessário que o colete esteja bem projetado. Se não estiver, não se obtém esse efeito.

Segundo o palestrante, não seria correto aplicar uma força anterior que empurrasse o esterno para trás. Isto apenas reduziria o diâmetro antero-posterior e deformaria ainda mais a caixa torácica, criando compressões a nível proximal e distal. Compensações não representam correções.

Estratégias pré-definidas

Quais as estratégias pré definidas quando se decide fazer um colete? Primeiro há uma classificação de risco, compatível com os padrões radiológicos de curvas. Cada escola segue sua própria classificação. Não existe uma melhor ou pior. Clinicamente o mais lógico é não olhar o raio X , mas olhar o paciente. Diz o palestrante que é o que pratica há anos. Avalia o paciente e a partir dessa avaliação sabe o que encontrará na radiografia. Seus olhos foram treinados de forma clínica. Olhar apenas o Raio X faz com que se perca a perspectiva do cliente.

O Dr. Manuel Rigo chegou a uma classificação clínica que corresponde a uma avaliação radiológica, que parece ser o que o palestrante utiliza. Esta classificação compreende nove tipos: A1, A2, A3, B1, B2, C1, C2, E1, E2.

Encontrei um quadro geral que descreve estes tipos no endereço a seguir:

https://shoppingortopedico.com.br/classificacao-de-rigo/

Agora, apesar disso o palestrante declara que a classificação não funciona sempre. Ela nos orienta, mas muitas vezes não se consegue classificar o paciente de acordo com o que Rigo indicou. Curvas alteradas consideravelmente pelo uso de um colete inadequado ou  escolioses graves não tratadas podem apresentar características clínicas que não entram na classificação. Assim, não é possível fabricar um colete adequado seguindo recomendações encontradas na internet. Temos que entender como se trata uma escoliose. E isso se aprende sobretudo com a prática.

Raio X ou paciente?

Dizemos que tratamos o paciente, mas na verdade quase todos são tratados para se reduzir o ângulo de Cobb. Além disso, quando os médicos avaliam o tratamento, o que levam em conta é a radiografia.

Nos anos 80 muitos estudos foram publicados, que sugeriam que uma previsão de correção de 50% seria um fator preditivo de bom resultado e menos de 20% não era aceitável.

Com estes estudos nasceu o mito dos 50%.

Por exemplo, temos duas curvas, 32º lombar e 30º torácica.

Fazem um colete que leva a 16º lombar, 21º torácica. De acordo com o critério de 50% esse tratamento é um sucesso. Mas, digamos que ao se observar com cuidado, vemos no raio X que apareceu uma curva proximal (acima da torácica) de 30º . Isto não seria um bom resultado. É péssimo. O colete está corrigindo por compressão. De que adianta corrigir 50% se criarmos outra curva e deixamos o paciente desequilibrado?

Do que depende os 50% de correção inicial no colete?

  1. Design, manufatura e adaptação,
  2. As características individuais do paciente: rigidez, padrão da curva, gênero e morfologia
  3. Dos profissionais envolvidos

Uma curva simples se corrige mais facilmente que uma dupla.

Estudos mostram que as curvas duplas são mais difíceis de tratar. Inclusive, neste caso, corrigir 25% poderia ser o bastante para estabilizar estas curvas.

Corrigir 50% da curva de um indivíduo rígido como uma tábua pode ser impossível. O palestrante cita o caso de uma cliente muito rígida com 50º torácicos e 44º lombar. Era um caso cirúrgico. Foi conseguida uma correção pequena, nada espetacular, mas que foi o bastante para estabilizá-la. Foi também tratada com exercícios e a cirurgia foi evitada.

Existem também pacientes com sobrepeso ou que simplesmente não respondem da mesma forma ao tratamento. Em um cliente obeso as forças serão absorvidas pelo tecido adiposo e o colete não será eficiente.

Como saber se o colete está funcionando?

Ser parte de um grupo interdisciplinar, que entende os conceitos da aparelhagem 3D, é fundamental para este entendimento.

O palestrante citou o caso de uma paciente para quem ele fez um colete. O médico era de uma escola clássica. Quando viu o colete, pediu que ele colocasse apoios internos para que se obtivesse mais correção. O resultado foi excelente. Todos ficaram satisfeitos, porque a coluna corrigiu-se muito, mas as vértebras lombares estavam super corrigidas e o perfil sagital extremamente retificado. Portanto, isso ocorreu por desconhecimento do médico. Ele pensou de acordo com o que aprendeu- corrigir por pressão através das almofadas de apoio internas –  mas neste caso forças sutis teriam sido o bastante, ela não precisava de mais correção.

O que é um bom colete 3D?

Aquele que consegue os seguintes objetivos:

O melhor alinhamento possível no plano frontal

Bom equilíbrio

Correção por mecanismo de detorção

Equilibro sagital

Sem correção por compressão

Sem efeito iatrogênico

Relativamente confortável

Estético

Em uma criança jovem e flexível a correção pode ser mais difícil com o colete porque ele pode levar a super-correções e mais compensações. Uma curva rígida e grande é mais fácil obter bom resultado que em curvas pequenas em crianças muito flexíveis

Como se produz um colete 3D?

Não há mágica possível. As fotos mostradas com bons resultados são de profissionais que levaram 15 anos para consegui-los.

WCR brace clinic existe em vários países. O colete WCR é patenteado pela Align Clinic que infelizmente não possui acordos com empresas brasileiras . Qualquer empresa que utilize hoje o nome de WCR (Wood-Cheneau-Rigo) é através do uso ilegal da marca sem autorização da Align Clinic, CA.

A escoliose sempre nos mostra sua pior cara e isso é frustrante. Encontramos com frequência casos graves que colocam nossos pés no chão e nos fazem ser humildes e nos esforçarmos mais

O conceito de aparelhamento 3D realizado de acordo com os conceitos Rigo-Cheneau não é apenas um produto ortopédico, mas um conceito complexo, tal qual a escoliose.  Não se recomenda seu uso geral e exclusivo, mas como parte de um tratamento em equipe com profissionais formados e experientes.

 

 

 

 

 

 

 

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