IIICBE: DOR NAS COSTAS EM ADOLESCENTES COM ESCOLIOSE IDIOPÁTICA

III CONGRESSO BRASILEIRO DE ESCOLIOSE

Dr. Alisson Teles

Cirurgião ortopédico do Hospital São José- Santa Casa de Porto Alegre. Expertise em neurocirurgia e técnicas cirúrgicas avançadas para tratamento de escoliose

 

Definição de dor: Experiência pessoal, incômoda, ruim, associada ou não a um dano tecidual atual ou antigo, influenciada por vários graus de fatores biológicos, psicológicos e sociais.

Dor e nocicepção são fenômenos diversos: Nocicepçãoo é um estímulo neuronal, dor é a experiência sensorial e emocional.

Dor é um conceito que se aprende ao longo da vida, aprendizado influenciado pela família, pelo meio social e pelo psiquismo do indivíduo.

A presença de dor sempre deve ser respeitada.

Até recentemente a escoliose idiopática do adolescente era considerada uma condição não dolorosa. Mas, na realidade podem-se encontrar pacientes com curvas graves sem dor e outros com pequenas curvas dolorosas. Portanto, será que há associação entre dor nas costas e escoliose?

Do ponto de vista epidemiológico, boa proporção de adolescentes em geral declara ter tido dor nos últimos seis meses a um ano. Assim, se impõe a questão: qual a influência da escoliose no aparecimento de dor no adolescente?

Estudo feito com 43 630 alunos em Niigata, Japão, revelou prevalência de 58.8% no grupo de adolescentes portadores de escoliose e 33% no grupo não portador de escoliose. Portanto, dor é duas vezes mais frequente nos adolescentes com escoliose do que no grupo de adolescentes de maneira geral.

Em pesquisa realizada pelo palestrante em 124 adolescentes com escoliose idiopática, na qual deviam responder se tiveram dor ou não nos últimos trinta dias, obtiveram-se os seguintes resultados:

14,20% sem dor

30,00% dor leve

28,30% dor moderada

21,70% dor moderada a severa

5,80% dor severa

Chama a atenção que 25% dos pacientes relataram uso de medicação para dor, sendo que 5,64% opióides.

Pesquisas também demonstram que a presença de dor no adolescente associa-se com pior função, pior auto-imagem e pior saúde mental, portanto com pior qualidade de vida.

A pesquisa da etiologia da dor deve considerar diferentes aspectos:

Componente biológico:

Durante os procedimentos operatórios, o cirurgião remove o processo articular vertebral inferior e ao observar a cartilagem dessas regiões elas apresentam alterações artríticas. O primeiro cuidado seria comprovar ser realmente um processo ósteo-artrítico.  Desenvolveram-se, então, modelos para quantificar alterações artríticas nas articulações contidas nas curvas escolióticas.

Existem receptores envolvidos na degeneração articular. Por exemplo, um deles é o Tool-like receptor. Comparando a expressão gênica da cartilagem destes adolescentes com a cartilagem de cadáveres mais velhos com osteoartrite, consegue-se identificar que a expressão gênica destes receptores tão envolvidos na degeneração artrítica é maior nos adolescente em comparação com pessoas mais velhas.

Antes de definir se existe artrose, temos que correlacionar a existência de artrose com dor. Um estudo publicado por Bisson em 2022 sobre rotação axial, dor e degenerações artríticas associadas com osteoartrite de faceta articular em adolescentes com escoliose idiopática  conduz a esta correlação.

Considerando que o médico clínico avalia através de radiografias e tem, portanto, dificuldade em ter acesso à expressão gênica ou à histologia da articulação do cliente, o conferencista realizou pesquisa através de radiografias de 124 pacientes levando em conta diversas variáveis que medem a gravidade do ponto de vista coronal, axial e sagital.

A conclusão foi que existe uma associação entre a localização da curva e a localização da dor nas costas. Em curvas maiores lombares a probabilidade da dor ocorrer na região lombar é maior. Em curvas maiores torácicas e probabilidade da dor ocorrer na região torácica é maior.

Componente psicológico

No mesmo estudo anteriormente citado, realizado pelo conferencista, identificou-se que a catastrofização, isto é, o pensar que o pior de uma situação ocorrerá, sem levar em consideração a possibilidade de outros desfechos, associa-se à intensidade da dor. Aqueles mais catastrofizadores referem maior intensidade e frequência de dor que aqueles menos catastrofizadores.

A catastrofização também parece associar a gravidade da curva e intensidade da dor.

A qualidade do sono também foi estudada pelo conferencista em outro grupo de 94 pacientes portadores de escoliose idiopática com dor crônica: 75% tinham má qualidade de sono, o que pode ter a ver com aspectos neurofisiológicos.

Componente neurofisiológico

Dor envolve mecanismos de facilitação e inibição. Tais mecanismos podem ser mensurados em laboratório através de testes sensoriais quantitativos. São testes seguros, confiáveis e avaliam a sensibilidade do cliente à dor e também a capacidade cerebral endógena na modulação da dor. Através da aplicação de tais testes verificou-se que 48,9% dos clientes portadores de escoliose e dor têm sistema cerebral de inibição à dor deficitário.

Alterações neuroplásticas tanto de sensibilidade à dor quanto de modulação à dor tem alguma relação com a gravidade da curva, sugerindo que a curva pode ser um fator desencadeador para a neuroplasticidade do sistema de  inibição e de modulação da dor nestes pacientes.

Qual o impacto dos tratamentos através de coletes corretivos, exercícios específicos para escoliose e cirurgia na dor ?

Uso de coletes: Parece haver a mesma frequência de dor em pacientes com escoliose idiopática usando colete comparativamente aos que não o utilizam. O uso do colete, então, não parece alterar de forma significativa a frequência de dor nas costas em pacientes portadores de escoliose idiopática de curvas moderadas.

Exercícios específicos para escoliose:  A análise de trabalhos publicados revela resultados conflitantes. A conclusão mais sensata parece ser a do trabalho realizado por Monticone e colaboradores: A dor diminui como resultado da capacidade de melhor entendimento do paciente em modificar fatores de risco em seu estilo de vida e em atividades escolares, mais do que pela proposta de atividade física.

Cirurgia: Seu objetivo é sempre prevenir a progressão da curva e melhorar o alinhamento do tronco. A cirurgia não visa a melhoria da dor, mas eventualmente opera-se pacientes que têm esta queixa. Em um estudo de Landman e colaboradores publicado na Spine em 2013, com 1433 clientes operados, verificou-se que dois anos após a cirurgia, 40% deles referiram diminuição da dor, 38,6% relataram não ter havido alteração e 20,3% relataram piora.

Com o objetivo de entender as razões de tais variações de resultados no que diz respeito à dor, o palestrante estudou o papel da neuroplasticidade do sistema nervoso central em pacientes submetidos à cirurgia de coluna. A análise foi feita com os clientes 5 dias, 6 semanas , 6 meses e 1 ano após o ato cirúrgico no laboratório de análise da dor. Confirmou-se que ao longo do ano ocorre uma alteração na sensibilidade à dor. Possivelmente o trauma cirúrgico pode induzir a alterações neuroplasticas nas vias de condução dolorosa, o que sugere que as alterações da modulação da dor pode explicar os diferentes resultados em relação à sensibilidade à ela.

Conclusões:

Dor nas costas é muito comum (especialmente em intensidade leve)

É de difícil prognóstico e tratamento

Houve nos últimos anos aumento de pesquisas sobre dor em pacientes com escoliose idiopática em vários aspectos: biológicos, biomecânicos, psicológicos e neurofisiológicos.

Impacto dos diversos tratamentos no impacto da dor:

Colete: não tem influência

Exercícios: promissores

Cirurgia: Tem o objetivo de impedir a progressão e alinhar o tronco. O paciente deve ser informado que a dor pode ter diferentes evoluções n s anos que se seguem , tanto positivas quanto negativas.

Os profissionais devem focar na saúde mental, sono, exercícios físicos, aconselhamento quanto ao estilo de vida.

Em resposta a questões posteriormente formuladas,  Dr. Alisson diz achar que a importância da curva e a importância da dor parecem estar relacionadas. Ressalve-se que o cliente com leve curva torácica pode ter dor lombar associada a outra causa.

Declarou também lhe parecer que clientes com desequilíbrio frontal pélvico parecem apresentar dores mais importantes na região lombar.

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