GATAS FOR EVER

Esse foi o título de um seminário de trabalho corporal, de caráter essencialmente prático, de auto-terapia, destinado a profissionais que atuassem com técnicas de terapia corporal e que quisessem realizar um trabalho sobre si mesmos.

Recentemente esse seminário foi relembrado por algumas colegas entrevistadas por Josette Guerzoni em uma série de lives realizadas entre junho e setembro de 2020, onde ela entrevistou a maioria das colegas formadas de 1989 a 2001 em Ginástica Holística, na França por Marie Joseph Guichard.

Esse projeto foi idealizado e conduzido por mim e Angela Beatriz Varella. Tínhamos a intenção de realizar um segundo projeto destinado essencialmente a homens que se chamaria Balaio de Gatos, mas, não sei por que, não o levamos em frente.

Quase trinta anos depois, fiquei surpresa e comovida ao saber que esse projeto deixou lembrança e, mais importante, influenciou colegas na decisão de realizar uma formação em Ginástica Holística.

Recuperei o material produzido na época, que tinha arquivado entre meus documentos profissionais: a circular enviada, as auto-avaliações preenchidas por cada colega, fotos realizadas antes e depois das seis semanas de trabalho corporal previstas, o programa proposto, o caderninho com os esquemas dos exercícios escolhidos distribuídos e um relatório final.

Baseamo-nos na nas propostas da Ginástica Holística e na abordagem corporal de Sylvie Böe, que havia realizado um período de vivências corporais em São Paulo três meses antes.

Os encontros ocorreram em 12 e 13 de outubro de 1991. As colegas foram avaliadas através de um questionário e fotos. Um trabalho corporal foi proposto. Um caderninho com a sequência de exercícios entregue a cada uma e seis semanas depois foi realizado um segundo encontro para uma reavaliação.

RESULTADOS

55 pessoas foram avaliadas

20 pessoas reavaliadas seis semanas depois

Queixas relatadas:

Dores: 70%  (lombalgias, cervicobraquialgias, dorsalgias, etc..)

Joelhos varos 25%

Nesse grupo:  Celulite glúteo: 25%

Celulite coxa 57%

Culote 21%

Dores 79%

Joelhos valgos 58%

Nesse grupo: Celulite glúteo: 62%

Celulite coxa 71%

Culote 28%

Dores 62%

Demandas:

Diminuir barriga – 63%

Diminuir culote – 30%

Aumentar coxas e pernas – 29%

Aumentar Glúteos – 24%

Desempenho:

Média de tempo de trabalho corporal empregado pelas pessoas que obtiveram transformações significativas: 25 minutos por dia

Resultado nos reavaliados:

60% obtiveram melhora da barriga com média de 15 min de trabalho por dia

45% obtiveram melhora do culote

35% melhora da coxa e barriga

45% supressão total ou melhora das dores

40% diminuiu o valgo

15% melhora de glúteos

Dividimos as queixas segundo o tipo de joelho: 58% valgos, 25% varos. Não me recordo a razão de termos feito tal opção.  Os 17% restantes não colocamos em um grupo de normalidade, porque observando as fotos verificamos que alguns recurvatuns não foram considerados (isso poderia estar mascarando um desvio no plano frontal).

Pareceu-nos mais frequente celulite na região glútea (+8%) nos varos e mais frequente celulite na coxa e culote (+14%) nos valgos.

O índice de dor no grupo avaliado foi surpreendente: 70%. Infelizmente não perguntamos se as colegas submetiam-se a algum tipo de terapia corporal para podermos julgar a eficiência da terapia escolhida. Se nossos consultórios estão cheios, o que comprova a eficiência profissional, e nossos corpos são tão frequentemente sede de dor, ousamos dizer que provavelmente não nos cuidamos o bastante ou não nos cuidamos de todo. O fato de apenas cerca de 36% ter retornado para reavaliação seis semanas depois, também reforça a hipótese de que fisioterapeuta trata mas não se trata.

A demanda mais frequente foi melhoria de tônus ou diminuição da barriga (63%). No grupo reavaliado, 60% das colegas referem algum sucesso nesse quesito. O índice de sucesso decresce com o índice da demanda. Os Glúteos melhoraram em apenas 15% e eram perdedores como demanda. Será que esse fato se deve a estarmos muito mais em contato com a região anterior que com a posterior do corpo? A anterior nos preocupa mais e dela nos ocupamos com mais frequência? Sabendo da globalidade de nossa ação, não acreditamos que tanta melhora de abdominais, coxas, culote, não se acompanharia de uma significativa melhora dos glúteos. Talvez ela apenas não tenha sido observada, apesar de presente.

DESEMPENHO

O desempenho foi avaliado pela média de minutos por dia.

Os melhores resultados foram obtidos por quem trabalhou em torno de 25 min por dia. No entanto, isso é apenas um índice. Várias colegas que trabalharam diariamente entre 5 e 45 minutos, obtiveram resultados consideráveis. Também houve colegas que seguiram a recomendação de colocar um spa em sua rotina e obtiveram sucesso.

Esse spa cotidiano era o seguinte:

  1. Ao dirigir ou ao parar em um engarrafamento, PTL na expir, manter o tônus abdominal na inpir.
  2. Andando ou subindo escadas, esperando na fila, manter a barriga acionada por alguns momentos.
  3. No banho fazer dança do ventre uns minutinhos. Esse era um dos exercícios recomendados: Em pé, fazer o umbigo sair e ir para o chão, entrar e ir para o queixo. Imagine-o desenhando um O no plano sagital 5 min. Mão na lombar para certificar-se de que não se move. Se houver dor lombar, encaixar a bacia. Lavar cabeça encaixando os ombros.
  4. Durante as terapias com os clientes, sempre que possível trabalhar junto.
  5. Manter um litro de água sobre sua escrivaninha no trabalho.
  6. Usar bucha natural para estimular a pele no banho.

O PROGRAMA PROPOSTO

Constou de movimentos de alongamento e tonificação encontrados na Ginástica Holistica e em conceitos novos introduzidos por Sylvie Böe que estivera em São Paulo dois meses antes e que hoje podemos ver o quanto se adiantaram às propostas que só chegariam por aqui anos depois.

Vou transcrever o início do aquecimento, onde as novas propostas defendidas por Sylvie Böe já se encontram:

Aquecimento

Trabalho sobre a expir PTL em pé.

a. Estímulo de deglutidores:

Estalar a língua

Apoio no céu da boca (faz que estata mas não estala)

b. Períneo – 1 dedo no cóccix contrair períneo e sentir que esse osso se anterioriza.

c. Transverso – Cinturinha de pilão: apoiar um dedo no púbis, outro no final do esterno, lordose normal, expir umbigo para dentro e diminuição do contorno da cintura.

d. Juntar isso tudo durante uma expiração

Trabalho na Inspir (Sylvie Böe)

Posição:  o crânio no chão, o tatu na cervical. pés na parede ou no chão.

Bonequinho desenhado pela AngelaBeatriz para o roteirinho distribuído.

Introdução do conceito escápulas longe das orelhas

Conceito do sacro em mata borrão:

– apoio do sacro proximal: encaixe da bacia

– medial: lordose normal

– distal: bacia em anteversão

Sensibilizar o trabalho do transverso nas três posições do sacro

Sensibilizar a expansão do tórax lateral e póstero inferior durante a inspir (usar o apoio das mãos)

PTL em uma longa expir

PTL em uma expir elevando a cabeça- manter a cabeça alta, umbigo para dentro e inspirar expandindo as regiões lateral e póstero inferior

Retornar a cabeça para o chão em expir PTL, em seguida inspirar mantendo o tônus do transverso e expandir a região lateral e póstero-inferior.

 

COMENTÁRIOS

Na sequencia de exercícios onde os abdominais são mais estimulados (que não reproduzi aqui), escolhemos vários movimentos de enrolamento rigorosos, coisa que hoje eu evitaria. Preferiria colocar nesse capítulo movimentos de contração isométrica em posição de lombar neutra.

O uso do tatu era recente. Sylvie o havia introduzido entre nós em sua passagem por aqui em julho de 1991. E aqui já o empregávamos nas posturas propostas.

Se hoje, a estabilização desse centro, que muitos denominam “core” nos é tão familiar, em 1991 esse trabalho de manter o tônus abdominal na inspiração havia acabado de ser introduzido entre nós por Sylvie Böe dois meses antes, o que havia suscitado muita discussão, porque até então, tanto RPG como Ginástica Holística trabalhavam o tempo expiratório apenas. No tempo inspiratório nada era solicitado. Essa se revelava uma respiração adequada para os trabalhos dinâmicos, com o objetivo de tonificar os abdominais. Aqui Sylvie já começava introduzir a respiração que os estudos de estabilização segmentar defenderiam e o Pilates consagraria anos depois.

Vejam também que sentir e trabalhar o sacro em apoio proximal medial e distal também introduzia a ideia se conscientizar a posição da pelve em retroversão, anteversão ou posição neutra e abria a discussão sobre qual posição seria a ideal para o trabalho da força abdominal.

Outra curiosidade: todas nossas anotações estão feitas a mão, assim, nas notas de Angela Beatriz, depois dela descrever os procedimentos que se deve orientar para os abdominais no tempo inspiratório “manter o tônus do transverso e expandir o tórax póstero-inferiormente em lordose normal”- ela resume INSPIR- TBT.

A partir daí em todos os exercícios que se sucedem onde se deve orientar o tempo respiratório ela resume:

Expir- PTL (o Perineo-Transverso- Língua consagradíssimo desde nossa formação em GH que ocorrera em 89/90)

Inspir- TBT

Em algumas notas minhas também encontrei essa sigla para significar a contenção abdominal na inspir, mas não lembrava o que queria dizer. Em contato com colegas cariocas que até hoje trabalham na clinica de fisioterapia fundada por ela e que também cursaram os seminários de Sylvie Böe, chegamos à conclusão de que deve significar “Trazer a Barriga para Trás”, imagem que ela gostava de utilizar para estimular o cliente a entender que a expansão durante a inspiração devia transferir-se para a região posterior, enquanto o abdome deveria ser “mantido”.

O aquecimento que transcrevi anteriormente terminava-se então assim:

EM PÉ:  NA EXPIR –  PTL / NA ISPIR – TBT

Vou re-adotar!!!

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *