POSSÍVEIS ORIGENS DO TRABALHO SOBRE O ROLO

Aprendi em Ginastica Holística o trabalho de distensionamento da coluna sobre um rolo. Utilizávamos um rolo bem duro e resistente de papelão (usado originalmente para enrolar peças de carpete) de cerca de 10 cm de secção. Do sacro ao occipital devíamos acomodar toda coluna através de apoios cuidadosos e conscientes com o auxilio da respiração. Foi uma experiência inesquecível. Sair de cima do tal rolo duro de papelão foi dos meus “momentos de graça” mais memoráveis.

Em depoimento sobre a importância do trabalho de Elsa Gindler (1), uma pioneira do trabalho do qual se originou a Ginástica Holística, o Dr. R. Wilhelm, que foi seu aluno entre 1951 e 1955, relembra como se desenrolavam as aulas das quais participou. As primeiras “experiências” (não se falava jamais em exercícios) eram praticadas com um bastão. Ele devia ser apoiado sobre o chão, em seguida se deitava sobre ele, de forma a apoiar todas as vértebras e occipital. Em seguida dá sua interpretação a esse procedimento. Diz que esse ato aparentemente simples só era plenamente vivenciado depois de se ter adquirido plena consciência do peso do próprio corpo, da ação da gravidade, do contato com a carga. Se cada parcela do corpo sente conscientemente a atração que a gravidade exerce, e sua importância, é possível alongar-se e repousar. Devemos sentir consciente ou inconscientemente que a terra nos atrai e nos sustenta para então abandonar-se confiantemente à força da gravidade. Repouso é um abandono vivo, é vigilante e revigora rapidamente. Nada tem a ver com amolecimento, que pode trazer algum conforto muito tempo depois, ou não trazer conforto algum. Em um estado não treinado, contraído, deitar sobre o bastão era um martírio, mas quando o repouso consciente era atingido, era possível rolar sobre o bastão colocado na região central do dorso com um mínimo esforço, mantendo a atenção para não perder o contato com sua própria carga. Quando isso era conseguido não era mais uma tortura, mas passava a ser um meio agradável de fazer a coluna sair de uma posição contraída e encurvada para uma posição ereta e distensionada. Isso confirma a afirmação com a qual por vezes nos deparamos que diz se possível uma dor cessar ou se atenuar quando nos deixamos levar, sem sentirmos pena de nós mesmos.

Em entrevista de Robert Litman (professor do método Buteyko de respiração) realizada por Lali Jurowsky e publicada por ela no Youtube (2), ouvi uma explicação de como respiração pode possibilitar a consciência do peso corporal e através dessa consciência obter-se relaxamento. (Vale assistir a toda a entrevista, nela são tratados vários outros aspectos sobre a respiração e sugestões de como cuidar dela):

Seguir os movimentos respiratórios conscientemente nos faz sentir que o corpo é habitado. Quando inspiramos  “flutuamos” mais, como um balão que se enche de ar. Quando expiramos ficamos mais densos e mais conscientes de nosso próprio peso. Como um balão que ao perder o ar desce, nós também descemos em direção à terra e podemos sentir de forma mais precisa que temos peso, queremos nos apoiar aonde estamos sentados ou deitados, sentimos nossos o contatos de forma mais consciente, onde estão os pés, as mãos e sabemos que podemos descansar.  Levamos um momento para nos conscientizarmos disso,  e descansar. Então sabemos que estamos sendo mantidos, que podemos contar com um suporte, não é necessário estar a segurar a si próprio o tempo todo e quando voltamos a inspirar, consciente dos apoios duas coisas ocorrem:

  1. A respiração é mais inferior, há uma expansão mais evidente dessa região do tórax pela ação do diafragma e não da região superior (em geral associada a trabalho de músculos respiratórios acessórios)
  2. O ar entra mais facilmente porque respiramos a partir de uma sensação de repouso.

A respiração pode então nos fazer sentir nossos apoios e sabemos que nosso corpo está na terra. Se mantivermos essa consciência, a inspiração surge do repouso e do apoio, ela será mais ampla e mais lenta.

Joachim Ernst Meyer (1), que trabalhou com uma das alunas de Gindler, destaca da experiência com o bastão, o aspecto de aceitação da dor. Para ele a dor que evidentemente se experimenta quando do primeiro contado das apófises espinhosas e occipital com a dureza da madeira serve para fazer nascer uma aceitação da dor. Na medida em que se consegue distensionar, o caráter da dor modifica-se porque a tensão ligada ao medo e à espera da dor desaparece, mas a sensação da dor subsiste e é vivida conscientemente. Esse é um exercício de concentração, que pode levar a uma abolição do estado doloroso.

Gostei de encontrar esses depoimentos de gente que praticou esses mesmos experimentos em meados do século passado, que chegaram até mim três gerações de praticantes depois. Mas, lembro que quando voltei a São Paulo depois dessa formação providenciei alguns bastões de madeira de secção parecida com os de papelão com os quais fiz minha prática e passei a experimentá-los em alguns alunos. Dei-me conta de que muitos não o suportavam, especialmente as pessoas mais velhas, que em geral são as que mais necessitam. Então comecei a fazer experiências para desenvolver um rolo mais adaptável a todos os clientes e cheguei, com o auxilio de um tapeceiro à receita já publicada e comentada nesse blog (3). Assim como também desenvolvi uma teoria pessoal do porque, me parece, a sensação de relaxamento que se consegue é tão intensa e estimulante(4). Mas achei enriquecedor conhecer as origens e outros tipos de interpretação sobre esse procedimento.

Do trabalho de Elsa Gindler temos poucas informações, porque todo seu precioso material acumulado durante trinta anos foi completamente queimado em 1945, nos últimos momentos da Segunda Guerra Mundial em Berlim. Nos vinte anos que ainda trabalhou, não juntou material, ou energia, suficiente para uma publicação. Assim, o que conseguimos entrever de seu trabalho é apenas pelo depoimento de seus alunos e suas alunas, que se espalharam pelo mundo devido à guerra e levaram suas ideias para fora da Alemanha. Lily Ehrenfried foi uma delas e tornou-se precursora do trabalho na França que em 1986 recebeu a denominação de Ginástica Holística.

  1. Elsa Gindler Cahier 7 et 8, publicado pela Association des elèves de Dr. Ehrenfried et des Practiciens em Gymnastique Holistique, Paris, 1991
  2. https://youtu.be/U5EdgzrjW4o
  3. http://angelasantos.blog.br/rolo-de-espuma-para-a-coluna/
  4. http://angelasantos.blog.br/funcao-do-orgao-…o-rolo-de-espuma/

 

 

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