INTERDEPENDÊNCIA DOS SISTEMAS RETO E CRUZADO

Ambos os sistemas são interdependentes na anatomia e na função.

Ao se referir ao sistema cruzado do tronco. Piret e Béziers lembram que “: Ele modifica o sistema reto por meio de um mecanismo mais complexo, que altera seu movimento em linhas quebradas, sem que, no entanto, se perca a estrutura de enrolamento, mas nela se apoiando. Ele lateraliza o tronco”.

O lado do tronco que se “fechou” é o lado que flexionou, o movimento do lado oposto que se “abriu” é associado à extensão. O lado do tronco que flexionou corresponderá ao membro inferior que flexionou, o lado do tronco que entrou em extensão ao membro inferior que estendeu.

O movimento em linhas quebradas é esse movimento em dobradiça, como o de um cotovelo que se flete, nos dando a impressão de um movimento em duas dimensões no espaço. Na realidade, para cada movimento de flexão a coordenação motora demonstra que ocorreu uma torção prévia. Mas isso é outro assunto. Aqui só quero definir o que são essas “linhas quebradas” para Piret e Béziers. No tronco é mais complexo serem definidas. Então, segundo um esquema que tirei do livro delas na fig 1, vemos que o lado do tronco para onde girou a cabeça e portanto entrou em flexão, se dobra em três segmentos: o que vai de frente para trás da cervical até a torácica média, o que vai de trás para frente da torácica média até a crista ilíaca anterior, o que vai de frente para trás da crista ilíaca para o ísquio.

Fig 1 (retirado de A Coordenação Motora de Piret e Béziers)

Mas meu objetivo aqui é me deter na expressão em negrito frase “o sistema de torção do tronco modifica o sistema reto sem que se perca sua estrutura de enrolamento mas nela se apoiando”.

Para entendermos como anatomicamente esse apoio é absolutamente verdadeiro, temos que voltar nossa atenção para a anatomia da parede abdominal. Fig2.

Fig 2

Primeiro observemos a aparência da musculatura nessa região. Porque o músculo reto abdominal tem essa aparência de nácar e o oblíquo externo logo ao lado tem aparência de carne?

Fig 3

Vamos analisar a fig 3 imagem de cima, na qual vemos um corte horizontal da região que nos demonstra de que forma as fáscias dos diversos músculos abdominais se organizam. Essa imagem corresponde a um corte acima da linha arqueada do abdome (que situa-se alguns centímetros abaixo do umbigo). Observe que em determinado ponto o conteúdo muscular da estrutura miofascial do músculo oblíquo interno deixa de existir, enquanto sua fáscia continua alguns centímetros até o bordo do músculo reto abdominal. Aí ela se abre, abraça o músculo formando a sua fáscia de invólucro.  Mais superficialmente ao oblíquo interno observamos o oblíquo externo se comportar da mesma forma, só que aqui seus dois folhetos, anterior e posterior, se unem ao folheto anterior do oblíquo interno reforçando-o para formar o invólucro fascial anterior do reto abdominal. Portanto aqui a fáscia anterior do reto do abdome tem três camadas fasciais, por isso tem aparência de nácar.  Mais profundamente ao plano do oblíquo interno vemos o transverso abdominal comportar-se também da mesma forma, só que aqui seus dois folhetos se unem ao folheto posterior do oblíquo interno reforçando-o para formar o invólucro fascial posterior do reto abdominal.

Na altura da linha alba observe que fibras da camada posterior do reto do abdome (formada pelo oblíquo interno) cruzam e se dirigem para a camada superficial do músculo reto abdominal do lado oposto (formada pelo oblíquo externo do outro lado).

Assim é fácil entender que quando o músculo oblíquo interno de um lado se contrai, ele tensiona a fáscia do oblíquo externo do outro lado, facilitando sua contração concomitante. A contração do oblíquo interno direito e oblíquo externo esquerdo aproximaria o ombro esquerdo do quadril direito. A contração do oblíquo interno esquerdo e oblíquo externo direito aproxima o ombro direito do quadril esquerdo. E em ambas as situações o corpo entra em leve flexão, isso é enrolamento, cabeça se anterioriza aproximando-se do quadril.

Fig 3

Na figura 3 imagem de baixo vemos também um corte abaixo da linha arqueada, nesse nível os invólucros fasciais anterior e posterior do transverso abdominal passam para frente reforçando o invólucro fascial anterior do reto abdominal.  Aqui a fáscia anterior do reto abdominal passa a ter seis camadas.

Fig 4 –  à direita M. Reto e Transverso Abdm. /em cima à esq M.Obliquo Menor/ em baixo à esq M. Obliquo maior

Na fig 4 uma vista frontal do reto abdominal e transverso abdominal pode-se entender como isso ocorre, é como se o conteúdo muscular do reto abdominal “furasse” a estrutura miofascial do transverso para passar para trás dele.´Aqui a fáscia anterior do reto abdominal passa a ser constituída por seis camadas.

Portanto, o invólucro anterior do músculo reto abdominal é constituído pelos epimisios dos oblíquos interno e externo além do transverso. Acima da linha arqueada são três camadas fasciais superficiais, abaixo são seis camadas. Por essa razão em uma vista do plano mais superficial da musculatura abdominal o tecido muscular do obliquo externo é mais evidente, é vermelho, por estar recoberto apenas por uma camada de fáscia, enquanto o reto é recoberto por várias camadas de tecido fascial, o que lhe dá essa aparência nacarada.

Tendo em mente essa estrutura, esse arcabouço de contenção dos músculos abdominais no espaço, fica mais simples entender a fisiologia do sistema cruzado, que possibilita cabeça e pelve girarem em sentidos opostos o que provoca um tensionamento por torção que por sua vez leva a uma flexão, esse movimento de torção é indissociável do enrolamento.  O caminhar, por exemplo, que é a função básica garantida por esse sistema, se inicia por um desequilíbrio anterior da cabeça que contem em si a intenção de enrolamento e, segundo Piret e Béziers, a contração concomitante do reto abdominal garantiria a estabilidade do ilíaco que deve dar ponto de apoio para os flexores do quadril.

Torção torna-se indissociável do enrolamento. De certa forma o sistema cruzado se apoia no sistema reto.

 

 

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