IIICBE: A IMPORTÂNCIA DO PLANO SAGITAL (TAMBÉM) PARA TRATAMENTO CONSERVADOR DA ESCOLIOSE

III CONGRESSO BRASILEIRO DE ESCOLIOSE

Palestra realizada por René Castelein MD. PhD.

Professor do departamento de Ortopedia e Cirurgia

Centro holandês de escoliose

Centro médico universitário Utrecht, Holanda

 

Há duas formas de cifose a se considerar:

  1. a verdadeira cifose, que ocorre apenas no plano sagital, a moléstia de Scheuermann. Muito difícil de tratar. Para ela o tratamento conservador é mais eficiente . A cirurgia é até mais perigosa. Considerando apenas o formato da coluna, é uma deformidade simples, que ocorre em apenas um plano.
  2. A “cifose” associada à escoliose. Parece, mas não é cifose. Trata-se de uma lordose rotacionada.

Seria a escoliose uma moléstia séria?

  1. Há muitos trabalhos que declaram que a escoliose não é tão importante e não afeta tanto a vida cotidiana. Pessoas portadoras de escoliose são funcionais, têm trabalhos normais, trabalham no campo, constituem família, basicamente como qualquer outra pessoa.
  2. Estudos recentes foram realizados comparando vários tipos de escoliose nos quais parece ficar claro que se pode morrer precocemente por conta dela. No entanto, neste grupo se incluíram casos neuromusculares e casos de início precoce, quando então a expectativa de vida diminui. Qual seria o resultado se analisássemos apenas as escolioses idiopáticas?

Spine (Phila Pa 1976). 2021 Nov 1;46(21):E1161-E1167. doi: 10.1097/BRS.0000000000004060.      Scoliosis Surgery Normalizes Cardiac Function in Adolescent Idiopathic Scoliosis Patients                                                                               Vishal Sarwahi 1Jesse Galina 1Aaron Atlas 1Rachel Gecelter 1Sayyida Hasan 1Terry D Amaral 1Kathleen Maguire 2Yungtai Lo 3Sarika Kalantre 4

  1. Este estudo (referência acima), foi feito por um orientando do dr Castelein, que se dedica cada vez mais a estudar o formato do tórax nos casos de escoliose e suas interrelações com problemas cardio-pulmonares. Ficou demonstrado que em escolioses não tão severas podemos ter obstrução ou restrições das vias respiratórias.

Em curvas de 50º ou 60º pode aparecer um fenômeno de hipertensão pulmonar, porque o coração tem que bater em uma parede muito mais resistente por conta da escoliose. Além disso, sabemos que função pulmonar melhora com o tratamento. Portanto, não se trata de um tratamento cosmético. Estamos lidando com algo que interfere com o coração e pulmão. É algo sério, sobretudo considerando que estes pacientes podem viver por muitos anos.

Em uma ressonância magnética pode-se observar o diafragma durante uma inspiração e uma expiração, onde se vê que ele é funcional, mas sua excursão é muito diferente do que deveria ser. O diafragama e intercostais são menos eficientes do que seriam na ausência de escoliose.

  1. Existem poucos estudos de longo termo sobre a história natural da escoliose, a maioria de Stu Weinstein de Iowa.

Pediatr Orthop.2019 Jul;39(Issue 6, Supplement 1 Suppl 1):S44-S46.doi: 10.1097/BPO.0000000000001350.       The Natural History of Adolescent Idiopathic Scoliosis  Stuart L Weinstein 1

Este estudo (referência acima) é dos poucos que existem. Nele o autor conclui que pacientes não tratados portadores de escoliose idiopática tornam-se adultos ativos. Infelizmente, a escoliose não tratada pode levar a aumento de sintomas de dor e a sintomas pulmonares em grandes curvas torácicas. Podem também desenvolver importantes deformidades, o que leva a considerar que o aspecto cosmético dessa condição não deve ser menosprezado. Antes desse estudo acreditava-se que pessoas portadoras de escoliose morriam precocemente. Ele demonstrou que não. Pode-se viver em média como na população normal. Mas é importante lembrar que ele foi feito no meio oeste dos Estados Unidos, com histórico começando em 1976, publicado em 2003. Portanto, em época e meio social onde as pessoas usavam roupas e viviam situações sociais muito diversas do que se pode considerar hoje em dia.

Resumindo:

  1. Este estudo demonstra que a mortalidade não cresce na população de escoliose idiopática, mas se ela não for tratada, 68% mostram progressão após as maturidade óssea.
  2. Apenas curvas inferiores a 30º provavelmente não progredirão.
  3. Um indivíduo com 40º e 16 anos, não deve entender que pode continuar vivendo sem problemas. Tais curvas têm potencial de progressão. Se chegar a 50º ou mais, há o risco de problemas cardiopulmonares posteriormente, além de dores mais agudas nas costas.
  4. Dor nas costas é um problema sério para toda a sociedade. É a causa mais importante para envelhecimento não saudável, para que as pessoas não pratiquem atividades sociais e esportivas e também para não trabalhar. E a probabilidade de dor nas costas aumenta muito com a escoliose.
  5. O próprio Weinstein disse ter dúvidas sobre se a geração atual lidaria com este problema da mesma forma que a geração anterior (que ele pesquisou).

Definição de escoliose segundo Dr Castelein :

“trata-se de uma deformidade em três dimensões do tronco, com um ônus permanente causado pela moléstia a ser suportado o resto da vida”.

Escoliose, uma deformidade tridimensional

Spine (Phila Pa 1976). 2014 Sep 1;39(19):E1159 66. doi:10.1097/BRS.0000000000000467. Three-dimensional characterization of torsion and asymmetry of the intervertebral discs versus vertebral bodies in adolescent idiopathic scoliosis       Tom P C Schlösser 1Marijn van StralenRob C BrinkWinnie C W ChuTsz-Ping LamKoen L VinckenRené M CasteleinJack C Y Cheng

Este (acima citado) é um dos muitos estudos tridimensionais realizados nestes últimos anos para o entendimento da deformidade em três dimensões. Mas há muito os autores já haviam percebido que “O corpo humano é construído em três dimensões”.

Já falamos sobre a importância da rotação na escoliose. Então se impõe a pergunta: Onde estaria o eixo sobre o qual a coluna roda?

Robert Roaf o determinou na década de 1950. Outras pessoas também se dedicaram a esta pesquisa. É interessante perceber que se rodamos a coluna, o centro de rotação sempre estará dentro dela, nunca longe, afastado.

A seguir a citação de um estudo mais atualizado:

Spine (Phila Pa 1976). 2006 Dec 15;31(26):E984-91.  doi: 10.1097/01.brs.0000250183.97746.51.Ex vivo and in vitro determination of the axial rotational axis of the human thoracic spine    Szabolcs Molnár 1Sándor ManóLászló KissZoltán Csernátony

Se analisarmos o eixo de rotação de uma coluna com escoliose veremos que ele encontra-se em um ponto posterior da coluna. Isso muda, dependendo de onde se encontra a curva.

A rotação em torno de um eixo posterior é o único fenômeno que por si só pode explicar todas as outras manifestações da escoliose. Rodando ao redor desse eixo posterior, ocorrerá certo nível de desvio, a coluna anterior se alonga. Se fizermos o contrário não aparecerá a mesma morfologia tridimensional.

A tendência de começar a rodar (plano horizontal) depende do perfil sagital.

Classificação de Roussouly do perfil sagital em adultos:

 

Eur Spine J. 2018 Aug;27(8):2002-2011.doi: 10.1007/s00586-017-5111-x. Epub 2017 Apr 28.Classification of normal sagittal spine alignment: refounding the Roussouly classification Féthi Laouissat 1 2Amer Sebaaly 3Martin Gehrchen 4Pierre Roussouly 5

Roussouly demonstrou tipos diferentes de perfil sagital, associando-os com incidência pélvica

Lembrando: incidência pélvica corresponde ao ângulo formado pela perpendicular ao platô superior de S1 e a linha que conecta o ponto médio deste com o centro das cabeças femorais . Este é um parâmetro morfológico que independe da orientação espacial da pelve, considerado específico para cada indivíduo.

Um ótimo trabalho a respeito você encontra no link:

https://neurorgs.net/docencia/sesiones-residentes/balance-sagital-una-introduccion-teorica/#:~:text=La%20incidencia%20p%C3%A9lvica%20refleja%20la,la%20posici%C3%B3n%20de%20la%20pelvis.

Roussouly define quatro tipos de incidência pélvica (I a IV). Se houver uma incidência pélvica baixa (tipo 1), significa que sua coluna está bem reta. Significa também que é provável se desenvolver cifose de Scheuermann mais facilmente, degeneração e hérnia discal.

Se a incidência pélvica for alta (tipo 4) haverá menos pressão discal porque a curvatura distribui as cargas sobre os discos de forma mais adequada,  mas haverá altas cargas no arco posterior de L4-L5 e L5-S1 com consequente estresse de cisalhamento L5-S1 e alto grau de espondilolistese degenerativa. Estes problemas podem ocorrer em idade mais avançada, mas também em idade mais precoce.

 Não temos estes dados em indivíduos mais jovens normais. Gostaríamos de saber como eram as colunas antes do diagnóstico da escoliose, mas, é claro, temos poucas informações sobre isso. Há um estudo sobre o formato das colunas em pessoas que fizeram raios X por alguma outra razão não relacionada à escoliose. Foram consideradas no estudo como pessoa comum, mas, é bom lembrar, tinham alguma queixa.

Seria importante obter estes dados. Saber qual a forma da coluna em crianças normais que no futuro acabaram por desenvolver escoliose e o perfil daquelas que não desenvolveram.

Diferenças no plano sagital têm consequências na estabilidade rotacional no plano horizontal, conforme discutido em palestra anterior (ver resumo da palestra ELUCIDANDO ASPECTOS TERAPÊUTICOS DO TRATAMENTO DA ESCOLIOSE  publicado em post anterior a este)

Para o Dr Castelein, apesar de ocorrer desvios nos três planos, a rotação no plano transversal deve ser o fator desencadeador do desequilíbrio que resultará em alterações nos dois outros planos.

Assim o que precisa ser corrigido na escoliose quando falamos em tratamento?

Muitos artigos defendem que há um crescimento ósseo menor na concavidade e maior na convexidade, mas em nenhum deles o disco é examinado. Isso foi feito pelo próprio dr. Castelein que constatou que a assimetria no disco é muito mais evidente do que a assimetria óssea. Assim, se quisermos reduzir a curva, a deformidade do disco será um grande obstáculo a vencer.

O maior obstáculo na redução da escoliose, então, é a coluna anterior mais longa e o comprimento adicional do disco, não do osso. Se quisermos reduzir a rotação e o desvio lateral temos que lidar com o comprimento anterior maior. Como fazer isso retornar à normalidade?  Ao endireitar a coluna haverá muita compressão na frente visto ser a região anterior muito longa, não é possível fazê-la alinhar-se, por isso se fala em rigidez da curva e como não é possível reduzi-la. Na cirurgia, por mais parafusos e hastes rígidas que se utilize, ao final o cliente acaba com um dorso plano, não com uma cifose normal.

Foi realizado um estudo no qual três técnicas cirúrgicas diferentes foram comparadas para o mesmo problema. Uma da Holanda, no instituto do Dr. Castelein, outra nos Estados Unidos, outra na França  e os resultados  foram comparados.

Na técnica utilizada pelo Dr. Castelein, ele tentou uma correção coronal ótima, sem utilizar necessariamente muitos parafusos, nos Estados Unidos também, mas utilizaram dois parafusos em cada vértebra (foi muito mais caro) e em Lyon na França não quiseram corrigir totalmente no plano coronal, e ficaram muito mais focados no plano sagital.

Na técnica dele, na Holanda, utilizou-se para parafusos em todas as vértebras, mas não dois parafusos em cada (no raio X parece que foram um em cada vértebra alternando um lado e outro. O plano coronal ficou satisfatório, o sagital não o satisfez totalmente, ficou apenas razoável. Nos EEUU muito mais parafusos foram  utilizados, o que é muito mais caro, (dois parafusos em cada vértebra), o plano sagital ficou razoável. Ao analisar o resultado na França viram  que a correção coronal não ficou tão bem, mas o sagital ficou ótimo, foi a melhor cirurgia entre os três.

A conclusão foi que quanto mais se corrige um plano, mais se desfavorece um outro. Para privilegiar a correção em um plano, você tem que ter ciência de que outro plano será prejudicado.

Dr Castelein afirma que escoliose pode ser curada, isso já foi demonstrado, em especial na escoliose infantil.  Mostrou imagens radiológicas de um pequeno paciente no qual colocou colete gessado em 2015, 2016, 2017, 2018. A coluna ficou reta. Não é possível saber o que pode ocorrer na adolescência, ele tem que ser controlado, mas durante esse período (2015 – 2018) a coluna ficou perfeitamente corrigida.

Quanto aos coletes de uso intermitente, existem vários. Mas nos últimos três anos Dr. Castelein utiliza apenas o de uso noturno em todos os clientes, sem exceção, não importando a idade óssea u o grau de Cobb. Declara-se muito satisfeito com o resultado.

Em um trabalho comparativo ele verificou que usando um colete rígido em tempo integral obteve 73% de correção; utilizando-o somente à noite obteve cerca de  79% de resultado. O uso do colete flexível somente à noite teve o pior resultado – 69%.

O resultado final do colete rígido usado apenas à noite é pelo menos semelhante ao de uso constante. As explicações para tal sucesso seriam:

  1. Com ele se consegue melhores correções do que aquelas conseguidas no colete de uso constante.
  2. À noite o metabolismo é diferente, a capacidade regenerativa é melhor. Nos curamos melhor à noite.

Conclusões :

  1. Nas escolioses de todos os tipos a parte anterior da coluna é longa demais.
  2. Este comprimento extra é do disco, não do osso.
  3. A porção anterior da coluna mais longa impede a redução da deformidade.
  4. Deformidade do disco não deveria tornar-se fixa, assim tratamento precoce e eficiente é necessário.
  5. Colete de uso noturno é uma opção viável: correção melhor/ ritmo noturno-diurno (circadiano) do disco / melhor aceitação.

COLETE DE USO NOTURNO:

Em palestra realizada para o curso de fisioterapia da PUC de São Paulo, o Dr Castelein se estendeu um pouco mais sobre aspectos conservadores do tratamento da escoliose idiopática. A seguir algumas notas sobre essa palestra, alguns esclarecimentos que obtive em conversa posterior e alguma pesquisa on line.

Como ortopedista clinico e cirurgião voltado para o tratamento da escoliose, Dr Castelein recorre a três instâncias de tratamento antes de lançar mão da cirurgia:

– Através de colete gessado

– Através de colete de correção

– em ambas as situações sempre acompanhado de exercícios específicos para escoliose

Colete gessado é mantido durante algumas semanas sem tirar. Por vezes utilizado com halo craniano no qual se adapta a uma tração com peso e todo esse conjunto é adaptado a cadeira de rodas ou andador para que o cliente consiga se deslocar durante o período de utilização. Ele é utilizado em escolioses severas, quase sempre com objetivos de preparo pré-cirúrgico ou para colocação posterior de um colete de correção de uso intermitente.

Colete de uso intermitente – ele sempre  utiliza o colete de uso noturno, em todos os casos. O tipo de colete é o Providence.

https://spinaltech.com/scoliosis-braces/providence-nocturnal-scoliosis-orthosis

Trata-se de um colete projetado e adaptado sob medida usando uma placa de medição especializada e um modelo digital do corpo do paciente, acompanhado por Raios X do cliente.

Tanto o design quanto a manufatura do colete é assistida por computador. Medido e moldado em decúbito, ele é capaz de correções maiores que aquelas conseguidas nos coletes de uso contínuo. Só pode ser usado  em decúbito dorsal, tem que ser retirado para ir ao banheiro, por exemplo. ´

É confortável, portanto de boa aceitação.

Estudos mostram que ele pode ser tão eficiente quanto o uso de colete de uso contínuo.

50% a 70% dos pacientes mostram progressão posterior de apenas 5º ou menos, quando examinados 2 anos depois do encerramento do uso do colete. Estudo em 2019 demonstrou que a correção dentro do colete atinge mais que 70% e teve sucesso na prevenção de ao menos 89% dos casos. Dr. Castelein diz conseguir com certa frequência 100% de correção.

 

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