IIICBE: CIRURGIA PARA ESCOLIOSE: PRESENTE PASSADO FUTURO

 

III CONGRESSO BRASILEIRODE ESCOLIOSE

Dr. Carlos Romeiro

Coordenador do grupo de coluna do InCore – Instituto de Coluna e Ortopedia do Recife

 

Primeiras referências:

460 A.C. Hipócrates deixou 60 livros escritos. Introduziu os termos cifose e escoliose. Escreveu com propriedade sobre o tratamento da cifose, muito menos sobre escoliose. Sua limitação maior advinha do fato de não poder dissecar cadáveres naquela época. Mas ele instituiu tratamentos para a escoliose. A mesa de Hipócrates de tração tem algumas semelhanças com o que é feito até hoje. Aplicava tração e forças em diferentes direções, na tentativa, por exemplo, de diminuir a gibosidade.

 

 

(Scoliosis. 2009; 4: 6. Published online 2009 Feb 25. doi: 10.1186/1748-7161-4-6 PMCID: PMC2654856 PMID: 19243609 Historical overview of spinal deformities in ancient Greece     Elias S Vasiliadis,1 Theodoros B Grivas,1 and Angelos Kaspiris)

 

130-200 D.C  Dando um salto de quase setecentos anos vamos encontrar Galeno de Pergamon,  médico e anatomista. É a segunda referência que encontramos sobre escoliose. Até então, pouco se evoluíra em relação ao assunto. Isso nos dá dimensão do quão rápido progredimos do século passado para cá.

Tomando os trabalhos de Hipócrates, Galeno deu alguns passos à frente por ser médico dos gladiadores e, como tal, tinha algum acesso à anatomia, mesmo ainda sendo proibido a dissecção de cadáveres.  Foi ele quem realmente definiu o que é cifose, lordose e escoliose e é considerado pai da anatomia moderna.

Durante mais 1400 anos, durante toda Idade Média, não houve nenhuma evolução.

No século XVI (1564) Ambroise Paré inaugura a tradição da escola francesa no conhecimento da escoliose, que se mantem até hoje. Os franceses ainda são reconhecidos como grandes autoridades no assunto. Foi ele quem determinou que a causa da paralisia era a compressão medular. Definiu escoliose congênita e fez o primeiro colete para o tratamento da escoliose, com ferro e couro.

Até o século XVIII, portanto durante quase duzentos anos, continuou-se fazer o mesmo, nenhuma evolução. Em 1741 Nicholas Andry, pediatra da escola francesa, escreveu um livro de ajuda para familiares (Deformidades em crianças). Não era um livro técnico, mas para familiares entenderem como lidar com os portadores da escoliose, que ele atribui à postura e desbalanceamento muscular. Pela primeira vez alguém fala em escoliose como consequência de uma postura inadequada (o que até hoje se ouve – muita gente atribui o aparecimento da escoliose à forma de sentar, de carregar peso, etc.). Uma curiosidade é o fato de ter sido ele quem cunhou o termo “ortopedia”, que significa criança reta! Podemos dizer que a ortopedia nasceu do tratamento de deformidades da escoliose. A árvore de André é até hoje símbolo da ortopedia, que nada mais significa do que: coloque um guia em uma muda imatura para que ela cresça de forma reta. É mais ou menos o que fazemos ainda hoje.

A árvore de André

Mais 100 anos se passaram para que um novo passo fosse dado. Em 1818 Delpech iniciou procedimentos cirúrgicos. Realizava tenotomias e colocava coletes gessados. Guerin, que foi seu sucessor, publicou trabalho com 740 pacientes, dentre os quais 18 morreram.

É Interessante notar que a anestesia com éter começou ser utilizada apenas em 1847. Portanto, estas primeiras cirurgias devem ter sido praticadas a frio. As crianças eram imobilizadas e as cirurgias praticadas no último andar do hospital, em salas de paredes grossas, para que os gritos não fossem ouvidos. Um horror.

Na França existia uma rivalidade entre dois grupos. Malgaine era adversário do grupo de Delpech e disse duas frases interessantes a respeito de Dellpech e Guerin, publicadas na Gazeta de Paris:

“É importante saber o que fazer, mas é tão importante quanto saber o que não fazer”.

“ O trabalho do dr Guerin tem muita coisa boa e nova, infelizmente as coisas boas não são novas e as coisas novas não são boas. “

Afinal, no trabalho publicado por Guerin dando conta do tratamento em 740 pacientes, dos quais 18 morreram e 250 tiveram resultados ruins , ou seja mais ou menos 1/3 de péssimos resultados, não é exatamente abonador .

Em 1889 foi realizada por Volkmann a primeira cirurgia óssea para escoliose. Ele ressecou uma gibosidade costal.

Ao longo de todo século XIX ainda persistiu a opinião de que postura causava escoliose.

1880 – William Adams dissecou cadáveres e pode constatar que havia no ápice da curva escoliótica uma lordose, onde todo mundo acreditava haver uma cifose por causa da gibosidade. A ele se deve o nome do famoso teste que até hoje é determinante para o diagnóstico clínico da escoliose.

1891 – Berthold Hadra foi o primeiro cirurgião a utilizar metal nos procedimentos cirúrgico.

Até então todas as deformidades eram tratadas sem uso de imagens.

Em 1895 Roentgen descobriu o Raio X . A primeira radiografia conhecida em medicina é da mão de sua esposa. A partir de então passou a ser uma ferramenta utilizada no diagnóstico e tratamento das deformidades da coluna. Será que em um primeiro momento as imagens radiográficas ajudaram? Como elas só retratam duas dimensões, as pessoas passaram a acreditar que a escoliose era apenas uma deformidade no plano coronal e durante muito tempo o plano sagital e axial foram ignorados.

Mas William Adams, que foi um ponto fora da curva, considerava que a escoliose surge porque a  lordose (que ele constatou em dissecções ) roda e quando roda, inclina lateralmente.  Lordose + rotação = desvio lateral. Portanto, ele já divulgara tratar-se de um problema tridimensional.

1911 Fred Albee (EUA) de DeQuervain (Europa) começaram utilizar enxerto ósseo na coluna.

1931 – Russel Hibbs realizou a primeira dissecção subperiostal para enxerto. Técnica que é até hoje utilizada para artrodeses.

1931 – Hibbs, Russel e Fergusson – 360 pacientes consecutivos (2% morte)

1950 – Risser publicou sua técnica de imobilização com gesso, até hoje utilizada.

1955 “ A revolução de Harrington”

Ocorreu devido ao aparecimento daquilo que é considerada a primeira geração de instrumental específico, proposto por Paul Harrington.  Trata-se basicamente de duas hastes que promoviam compressão na convexidade e distração na concavidade para promover correção no plano coronal. Novamente, os outros dois planos eram ignorados. Muitos médicos até a geração anterior à nossa devem ter se deparado com complicações nas cirurgias com as hastes de Harrington, ocorridas precisamente por não se levar em conta os planos sagital e axial. Mas, era o que havia na época e toda tentativa era válida.

1973 – 600 casos publicados com a recomendação de longas fusões e a apresentação do conceito de zona estável de Harrington.

1982 – Conceito de fixação segmentar.

No inicio desta década ocorreu uma pandemia de poliomielite e surgiram inúmeros casos de escolioses secundárias à paralisia provocada por esta afecção. Luque, médico mexicano, introduziu o conceito de fixação segmentar. A técnica consiste na obtenção de estabilidade e fixação por meio de duas hastes lisas, instaladas paralela a e longitudinalmente sobre os arcos posteriores, fixados a cada unidade vertebral  após remoção dos ligamentos amarelos, fixando cada segmento. Antes disso a fixação recomendada era longa, chegando às extremidades da deformidade. A gibosidade continuava, no entanto, a ser um problema.

A revolução francesa

Prof Jean Dubousset contribuiu tremendamente para a cirurgia da escoliose. Em 1984 ele e Yves Cotrel apresentaram o conceito de fixação segmentar que se considera um conceito de terceira geração e que tenta visar a escoliose nos três planos.

A ideia inicial era a de que através de uma derrotação da haste (não de vértebra) era possível transformar uma deformidade no plano coronal em uma normalidade no plano sagital, isto é, a haste giraria a latero-flexão do plano coronal para o plano sagital, transformando-a em uma cifose. Uma crítica a esta técnica é que se derrotava a haste, não a vértebra. Muitas vezes isto não era possível.

Em 1988 Dubousset e Cotrel publicaram seu primeiro trabalho dando conta de seu instrumental cirúrgico, que permitia correção nos três planos, (translação, distração e compressão) com hastes, ganchos e parafusos.

( Clin Orthop Relat Res.1988 Feb;227:10-23. New universal instrumentation in spinal surgeryY CotrelJ DuboussetM Guillaumat)

O primeiro conceito na utilização desse instrumental foi denominado CD (Cotrel Dubousset) e consistia em derrotação global e distração.  A partir de então começou a se discutir os princípios dessa técnica, não importa que material se utilize. São eles:

  1. Obter e manter uma correção da deformidade nos três planos
  2. O sagital é MUITO IMPORTANTE
  3. Minimizar as taxas de pseudoartrose.
  4. Minimizar complicações – neurológicas, sangramentos e infecção

Como estamos atualmente na cirurgia da escoliose?

A cirurgia começa muito antes do ato cirúrgico. Começa no diagnóstico e planejamento. As imagens que se podem obter hoje em dia evoluíram muito. Podemos obter imagens tridimensionais, em especial com o EOS. No Brasil existem apenas dois.

 O que é EOS?

Trata-se de um sistema de radiologia convencional que utiliza um detector gasoso, desenvolvido pelo físico Georges Charpak, premio Nobel em 1992. Este detector é muito sensível e permite baixar consideravelmente a dose de Raios X. É a técnica ideal para uma imagem completa da coluna vertebral, em pé, funcional em uma única incidência. Interessa, portanto, toda patologia vertebral. O paciente permanece em pé em uma cabine aberta, deve permanecer imóvel durante a passagem de dois tubos de raios X e de dois detectores situados dentro das paredes da máquina. Imagens frontais e sagitais são obtidas simultaneamente.

Com estas imagens o planejamento cirúrgico é mais fácil. Os dados obtidos são colocados em um software. (Atualmente as deformidades complexas são sempre operadas com auxilio de softwares). Desta forma se pode saber previamente onde fazer a osteotomia, que tipo de material utilizar, quantos graus reduzir. É possível também obter-se as ferramentas adequadas sem pagar. O cirurgião entra na sala operatória com tudo programado.

Atualmente há uma incrível evolução no campo instrumental, o que é muito mais importante que os implantes. Parafusos são mais ou menos idênticos, o diferencial é dado pelo instrumental, que é o que permite um bom desempenho com correção adequada.

Existem atualmente novas técnicas surgindo, por exemplo, a técnica de interrelação póstero medial, na qual é possível tracionar posteriormente a coluna, através de instrumentais específicos, corrigindo harmoniosamente os desvios, o que minimiza as complicações.

Em 2008 introduziu-se a monitorização neurofisiológica para a cirurgia. É uma parafernália gigante, mas que dá mais segurança. É possível antever problemas e corrigi-los ainda no ato cirúrgico.

Auto hemotransfusão é também ferramenta importante. Planejar a autotransfusão minimiza a dependência do banco de sangue.

Realizar imagens durante a cirurgia também pode guiar o cirurgião e permitir que as correções sejam o mais adequadas possível.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *