IIICBE PERDRIOLLE: SUA PESQUISA E CONTRIBUIÇÃO PARA O ENTENDIMENTO DA ESCOLIOSE

III CONGRESSO BRASILEIRO DE ESCOLIOSE

Palestra de Angela Santos

 O estudo de Perdriolle publicado ao final dos anos 1970 é um clássico citado em inúmeras bibliografias sobre o assunto. Foi um trabalho que mostrou de forma científica e irrefutável ser a escoliose uma deformidade tridimensional.

Muito devo a este texto. Contribuiu imensamente em minha formação.  Conheci o livro no inicio de 2000. Debrucei-me sobre ele, cujo texto não é simples. Muita coisa entendi, muitas dúvidas guardei, algumas dúvidas tive o privilégio de esclarecer com ele, Perdriolle, que me recebeu em Montepllier, onde vivia, em 2004.

Na ocasião firmei para a Summus editorial um contrato de publicação para seu livro em português, o que ocorreu em 2006, em um texto traduzido por mim.

 

O livro aborda vários aspectos:

– Forma pessoal de classificação das curvas escolióticas

– Evolução da flexibilidade e da irredutibilidade das curvas

– Descrição detalhada das deformidades anatômicas dos corpos e arcos vertebrais, costelas e esterno.

– Evolução natural da deformidade em casos não tratados

– Possibilidades de prognósticos através da observação de determinados sinais levantados pela observação da evolução natural dos casos graves.

 

Mas, em tempo tão breve tive que escolher alguns tópicos e escolhi, então, falar sobre:

  1. O design do projeto de pesquisa que ele desenvolveu para provar cientifica e irrefutavelmente ser esta afecção tridimensional.
  2. Forma de medir objetivamente o ângulo de rotação ou torção da vértebra

ANÁLISE DOPLANO HORIZONTAL

Como descobrir o que ocorre no plano horizontal?

Em um raio X padrão de frente podemos julgar indiretamente o plano horizontal pela verificação da posição dos pedículos em relação aos bordos do corpo vertebral. Se os pedículos estiverem equidistantes dos bordos de um lado e outro, é sinal que não há rotação da vértebra. Ela está equilibrada no plano horizontal.

No caso de um raio X de um portador de uma escoliose vemos que os pedículos do lado da convexidade estão mais distantes do bordo lateral do corpo vertebral que os do lado da concavidade. E esta distância varia de uma vértebra a outra. Portanto, a torção do eixo como um todo parece ser a somatória das rotações individuais de cada peça óssea em relação à sua vizinha.

 

Se considerarmos que quando uma vértebra gira no espaço, a imagem do plano frontal do indivíduo não mais coincide com o plano frontal da vértebra, só teremos certeza do que ocorre entre duas vértebras sucessivas, se obtivermos um raio X do plano frontal da vértebra.

Desenvolvimento analítico

Para tanto, Perdriole imaginou um procedimento em laboratório que denominou desenvolvimento analítico. Tomou uma peça óssea com uma curva de cerca de 105º, (creio que seja a peça que ilustra a capa de seu livro na edição francesa) e radiografou frontalmente L5-S1. Colocou o pequeno raio X sob papel transparente e desenhou L5. A seguir radiografou L5-L4, colocou o raio X sob o mesmo papel, fez L5 coincidir com a imagem já desenhada anteriormente e desenhou L4. Depois radiografou L4-L3, colocou o raio X sob o papel transparente, fez L4 coincidir com a imagem de L4 já desenhada e desenhou L3 e assim sucessivamente até T1.

Obteve, então, uma imagem que ele denominou desenvolvimento analítico no plano frontal, no qual se observa pela posição dos pedículos de todas as vértebras que elas não estão rodadas entre si. Rotação só aparece entre as vértebras T7-T6 e entre T6-T5. A esta rotação ele denominou rotação específica.

 

Perdriolle fez o mesmo procedimento para o plano sagital e, nova surpresa, obteve a imagem de uma imensa lordose ao longo de toda coluna. Portanto, todas as vértebras se encontravam em lordose.

Conclusão:

  1. Não há rotação intervertebral a não ser na região torácica superior envolvendo duas ou três vértebras, não mais.
  2. Todas as vértebras envolvidas na curvatura escoliótica estão em lordose.

Sobre o plano horizontal

Rotação e torção:

Rotação é o movimento de uma superfície articular em relação à sua vizinha. No caso de uma vértebra torácica, rotação da vértebra situada acima dela só ocorrerá se suas superfícies articulares deslizarem para um lado: a porção posterior dessa peça óssea se situará para este lado e o corpo vertebral para o outro, colocando a peça óssea em rotação.

Torção é o giro para lados opostos dos extremos de um segmento. Por exemplo, a diáfise da tíbia tem uma torção externa. A diáfise do fêmur tem uma torção interna. Em outras palavras, o eixo médio distal da tíbia gira externamente em relação ao eixo médio do platô tibial; o eixo médio dos côndilos gira internamente em relação o eixo médio do colo femoral. Assim, seria mais correto se, nos casos de escoliose nos referíssemos à “torção” do eixo raquidiano e não à sua rotação. Temos pouca rotação verdadeira entre as peças ósseas para eu seja a rotação a responsável por tanta deformidade em espiral do eixo.

O torciõmetro

Uma vez tendo feito a constatação de tão pouca rotação entre as vértebras em uma escoliose, Perdriolle pensou, então que “a afirmação da existência de rotação intervertebral generalizada deve ser reexaminada, nem que seja na região da vértebra-ápice”.

A vértebra ápice é a que mais gira no espaço. Se fosse possível radiografa-la em seu plano frontal, poderíamos ter certeza de seu comportamento em relação às vértebras vizinhas. Para tanto seria necessário saber quantos graus a vértebra girou para o lado, então, fazendo o indivíduo girar para o lado posto o mesmo numero de graus, radiografaríamos o plano frontal da vértebra.

Hoje contamos com aplicativos que  nos fornecem essa informação, mas na época  das pesquisas de Perdriolle isso foi possível através de um dispositivo que ele inventou com a ajuda de matemáticos.

Este dispositivo foi denominado torciômetro de Perdriolle.

Em um plástico transparente temos um trapézio retângulo.

As duas linhas externas de referência são divergentes para permitir adaptar-se o dispositivo a diferentes larguras das vértebras visualizadas no Raio X padrão frontal.

As linhas horizontais traçadas a intervalos regulares são desenhadas para que se oriente o torciômetro.

As oblíquas mais numerosas em um dos lados servem para que se possa ter uma leitura do deslocamento do pedículo do lado convexo em número de graus.

 

No raio X frontal localizamos a vértebra ápice e traçamos o eixo central do pedículo do lado convexo e reforçamos os dois bordos laterais do corpo vertebral

A seguir colocamos o torciômetro sobre a vértebra em questão, fazendo coincidir os bordos laterais da vértebra bem marcados coincidam com as linhas externas de referência do torciometro. Os bordos superior e inferior devem coincidir com um traço horizontal.

Observamos a linha oblíqua longitudinal mais próxima ao eixo maior do pedículo e em sua extremidade teremos o valor aproximado do ângulo de rotação/torção aproximado.

 

Assim, um indivíduo cuja vértebra ápice girou x graus para a direita foi girado o mesmo número de graus para a esquerda e o raio X obtido foi uma imagem frontal da vértebra ápice.

Aqui podemos ver um raio X frontal seletivo de uma vértebra ápice de uma escoliose de 38º e ao lado um raio X seletivo frontal da vértebra ápice que mostra estarem as vértebras vizinhas todas absolutamente alinhadas, sem rotação. Esta só se evidencia quatro vértebras acima para esta projeção.

Sobre o plano Sagital

Como já dissemos, as vértebras se apresentam todas em póstero-flexão, em lordose. Uma consequência imediata é a evidência que não de deve tratar uma curva escoliótica em tração axial rigorosa. Nesta posição de tratamento conhecida como ângulo fechado sentada, a tração axial rígida favorece a correção da latero-flexão no plano frontal, mas agrava a póstero flexão na região torácica.

Se a espiral da deformidade não é devida à somatória de rotações de cada vértebra no espaço, qual seria a causa da torção do eixo raquidiano?

Segundo Perdriolle ela é devida a movimentos combinados de póstero-flexão-lateroflexão de todas as articulações interapofisárias. Flexão lateral combinada com a flexão posterior concomitante, faz com que os corpos se desviem para o lado oposto à lateroflexão.

Definição

“ ESCOLIOSE É UMA DEFORMAÇÃO ANTERO-POSTERIOR EM LORDOSE, ENGENDRADA POR UM MOVIMENTO DE TORÇÃO. ESSA DEFORMAÇÃO SE EXPRESSA LATERALMENTE”.

Gosto desta definição. Veja que ele colocou no final o componente lateral que durante muito tempo foi o mais valorizado. Ele joga luz sobre os dois outros componentes, mais desconhecidos, sobre os quais este estudo lançou uma luz esclarecedora.

Esta definição encontra-se na primeira página do livro e, a seguir ,ele acrescenta uma frase enigmática: “C’est une courbe gauche”. A tradução é “é uma curva esquerda”. Estranho. Afinal ela também pode ser direita.

Mas na página 73 do livro encontrei a seguinte frase:

“Constatamos que geometricamente a curva descrita por uma escoliose é “gauche”, isto é, ela desenvolve-se no espaço, ao contrário de uma curva plana que se desenvolve sobre um plano, como é o caso da cifose ou da lordose.”

Isso quer dizer que “gauche” para ele é uma curva em espiral. Consultando profissionais da área de matemática descobri que existe um nome para esse tipo de curva: “reversa”.

No contato que mantivemos em 2004, pedi autorização para traduzir dessa forma, o que me foi permitido. Assim, logo na primeira página do livro, o texto ficou assim:

“ ESCOLIOSE É UMA DEFORMAÇÃO ANTERO-POSTERIOR EM LORDOSE, ENGENDRADA POR UM MOVIMENTO DE TORÇÃO. ESSA DEFORMAÇÃO SE EXPRESSA LATERALMENTE”.

“É uma curva reversa”

Sem dúvida, uma terrível curva reversa que pode levar a enormes deformidades, péssima qualidade de vida, severos problemas respiratórios e morte precoce. Todo empenho em pesquisar, tratar, reunir equipes miltidisciplinares deve ser colocado em prática, para que no futuro esta deformidade, se não for completamente evitável, seja ao menos controlável em níveis compatíveis com uma boa qualidade de vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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