TECIDO CONJUNTIVO E EU

Por caminhos sinuosos o estudo e a abordagem do tecido conjuntivo sempre estiveram presentes em minha vida profissional.

MASSAGEM DO TECIDO CONJUNTIVO

Costumo dizer que a coisa mais importante que aprendi nos anos de faculdade foi Massagem do Tecido Conjuntivo graças ao professor Eugênio Lopes Sanches. Aprendi os traços dessa massagem, não a clinica. Originalmente Elisabeth Dicke estabeleceu as bases dessa técnica nos anos trinta do século passado observando as regiões do subcutâneo que apresentavam “consistência” alterada e relacionando-as com patologias de ordem visceral como problemas circulatórios, hepáticos, urinários, etc. Mapeou essas regiões que sempre apareciam nos mesmos lugares em diferentes pessoas como os mesmos problemas, e denominou-as “zonas reflexas”.

A minha formação com o professor Eugênio Sanches não deu ênfase à clinica, mas aos traços da massagem. Nos estágios e posteriormente em meus primeiros anos de prática profissional no Centro de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clinicas da USP eu os apliquei em pacientes com queixas ortopédicas, em especial da coluna vertebral.

A primeira massagem deixava no dia seguinte dolorimento intenso na região massageada, em especial naquelas mais tensas e difíceis de serem manipuladas. Os clientes referiam que parecia a dor de pós-sessão de exercícios musculares intensos, diferente daquela que levara o paciente a procurar tratamento. Dois ou três dias depois o dolorimento se atenuava e a sensação era de um grande peso haver sido retirado dos ombros ou das costas. A segunda massagem era menos dolorida e mais fácil de ser aplicada, e assim evoluíamos. Ao final da série prescrita a queixa inicial havia melhorado muito ou desaparecido, a massagem podia ser aplicada sem mais nenhuma dor. A experiência de aplicar os traços da massagem do tecido conjuntivo e verificar em um curto espaço de tempo seus efeitos, sempre positivos, me fez adotar essa técnica para sempre.

Tive contato anos mais tarde com textos dos pioneiros da Massagem do tecido conjuntivo (1, 2) e aprendi muito mais sobre a teoria e a descrição dos traços. Hede Teirich-Leube (que se associou à Dicke cerca de dez anos depois que esta iniciou suas pesquisas e com ela colaborou nos treze anos seguintes), declara em seu livro(1) considerar essa reação de dolorimento intenso não desejável,  o que contraria minha experiência pessoal de muitos anos. Dolorimento importante nas primeiras massagens com abolição paulatina ao longo do tratamento ocorreu sistematicamente, tanto que lembro dos dois ou três casos em que isso não foi possível, apesar da melhoria dos sintomas. Tenho a segurança da prática clinica para afirmar que em problemas relacionados com o sistema musculo esquelético não é grave que haja essa reação de inicio. Mas, sempre tive consciência de que não pratico essa técnica como descrita originalmente, isto é, como  tratamento de problemas clínicos viscerais associados às zonas reflexas. Nisso não tenho nenhuma experiência.

Segundo Teirich-Leube a massagem desenvolvida originalmente por Dicke –massagem do tecido conjuntivo –  era constituída pela técnica dos “traços puxados” (traços profundos e fortes) executado no tecido conjuntivo. Previamente a seu encontro com Dicke, Teirich-Leube desenvolvera o deslocamento da prega cutânea e ela o manteve na prática da massagem porque o considerava um facilitador, isso é, sempre que havia muita tensão na zona reflexa, eles serviam para diminui-la e auxiliar na execução do “traço puxado” e era praticado perpendicularmente ao eixo da coluna. Dizia que o deslizamento da prega cutânea era essencialmente uma massagem do tecido conjuntivo enquanto os traços puxados eram massagem no tecido conjuntivo.

Aprendi os traços puxados como traços profundos e ao invés de aplica-los com dedo médio e anular aplicava-os sobretudo com o polegar e o deslocamento da prega cutânea, mas da forma que pratico este não é facilitador, é dos mais difíceis de serem aplicados, de tal forma que sempre o deixo para o final e por vezes nem o realizo na primeira massagem.

Após o diagnóstico das zonas mais retraídas, grosso modo aplico primeiro os traços de deslizamento profundo transversais,

 

depois longitudinais paralelos à coluna,

depois o deslizamento da prega cutânea transversal

e finalmente o deslizamento da prega cutânea longitudinal.

 

Não encontrei nessa bibliografia o traço que aprendi com o professor Eugenio como facilitador. Ele preconizava um “pinçamento” a ser realizado na região mais aderida como preparo quando o traço profundo não consegue ser aplicado, seja porque encontra uma barreira muito forte seja porque a dor é intensa.

 

MARCEL BIENFAIT E SEU CONCEITO DE TERAPIA MANUAL

Ao realizar a formação de RPG, bati de frente com a ideia por seus praticantes defendida de colocar o cliente em postura de alongamento em cadeia sem preparo algum. Para eles quanto mais a frio a postura for aplicada, melhor. Logo de inicio introduzi a massagem o tecido conjuntivo previamente às posturas com muito sucesso. O cliente sofria menos e a terapia evoluía mais rapidamente.

Logo depois dessa formação encontrei Marcel Bienfait. Traduzi seu primeiro curso no Brasil e posteriormente colaborei com ele durante quinze anos em vários cursos pelo país. Ele concordava com meu procedimento de preparar antes de aplicar a postura de alongamento em cadeia. Entre várias contribuições preciosas trouxe as Pompages e o conceito de esqueleto fibroso que ampliou o entendimento de meu trabalho.

Para ele a fáscia que nos envolve por completo deveria ser pensada, considerada como única. A fáscia profunda deveria ser vista como uma veste de escafandrista que vai desenvolvendo dobras e redobras para acomodar todos os músculos. A ela nos deveríamos referir com maiúscula a Fáscia. É única. Se da imagem do homem esfolado (aquela na qual visualizamos os músculos) pudéssemos retirar todo tecido muscular restaria a imagens transparentes e contíguas de todos os músculos constituídas pelo conjuntivo que os estrutura. Esse é nosso esqueleto fibroso, que se apoia sobre o esqueleto ósseo. Assim, quando realizamos uma tração lenta gradual e progressiva (uma pompage) de um segmento corporal, estamos aplicando certa força sobre essa estrutura que se repercute em sua intimidade e graças à continuidade da fáscia, vai muito além do ponto sobre o qual agimos. Por essa razão, ao traduzir seu livro Fáscias e Pompages (3) coloquei como subtítulo “Estudo e Tratamento do Esqueleto Fibroso”.  Estes textos foram publicados separadamente em francês de 1982 e 1983. Em português foram publicados em um só volume em 1999. Entre nós foi um pioneiro a abordar o assunto.

Bienfait considerava que alguém cometeu um erro histórico anatômico ao pela primeira vez falar em músculo, deveria ter falado em algo como miofáscia, (ou mioneurótico?). Assim quando falássemos o miofáscia deltoide ou o miofáscia quadríceps, neurolinguisticamente já estaríamos entendendo que aquela estrutura é gêmea de dois tecidos diversos, e só é válida quando os dois tipos de tecido que nasceram juntos, estão íntegros e trabalhando em conjunto.

Também considerava que o fator mecânico das cadeias musculares, aquilo que as faz trabalhar como uma unidade é a fáscia. A contração do conteúdo (tecido muscular) age sobre o invólucro e é esse involucro, elástico, que irá transmitir a força originada pela contração à alavanca óssea. E se observarmos bem, praticamente todos os músculos inserem-se no osso e enviam prolongamentos fasciais que os conectam com a estrutura muscular vizinha. Essa era uma das críticas que fazia ao brilhante texto de Piret e Bèziers sobre a Coordenação Motora(4) – elas valorizam muito a facilitação pela contração muscular de cada músculo estimulando a contração do seguinte. Ele lembrava que existem outros fatores facilitadores. Há os centrais, neurológicos (por exemplo, os centros de automatismo) e perifericamente as fáscias que colocam a cadeia muscular anatomicamente em continuidade.

Aa pompages tornaram-se novos procedimentos que comecei aplicar depois dos traços de massagem profunda nos grupos musculares mais retraídos e antes do posturamento para o alongamento em cadeia.

PROCEDIMENTOS DE CONTATO

Nos anos 80 pratiquei Eutonia e logo em seguida li o livro de Therèse Bertherat (5). As duas coisas trouxeram a vivência disso que denomino “procedimentos de contato”. Massagear um pé com uma bola de tênis trazia a seguir uma sensação de um apoio muito diverso, mais amplo e mais confortável. Deitar de costas com plantas dos pés apoiadas e uma bola macia na região do sacro traz a sensação de relaxamento lombar quando a bola é retirada.

Quando fiz a formação em Ginástica Holística esses procedimentos se multiplicaram: apoiar em bolinha de tênis diversas regiões de tensão,  deitar estabilizando a coluna em um tubo trazia a sensação, ao se retirar o apoio, de que o chão se abriu para aninhar a coluna. Quem era eu? A que deitou no chão antes ou a que deitou após a vivência de apoio de todas as vértebras sobre o rolo? Esse procedimento em especial foi tão importante que desenvolvi um rolo (6) com características de maciez que permite ser usados por qualquer pessoa que possa passar para decúbito dorsal e constitui um procedimento inicial de minha sessão que aplico em quase todos os clientes.

Ao vivenciar esses procedimentos, entendi que diminuíam o tônus das regiões mais tensas. Passaram a fazer parte do arsenal terapêutico que fui colecionando. E qual a causa de tal efeito?

Quando entrei em contato com a Massagem do Tecido Conjuntivo sentia sob meus dedos o que era uma “consistência “ subcutânea normal ou alterada. Quando havia uma densidade maior que o normal, com minhas mãos podia aplicar uma “terapia” que consistia em manobras de massagem, capaz de normalizar aquela consistência tornando-a mais macia, mais “moldável”. A alteração sentida nos tecidos submetidos aos procedimentos de contato era mais ou menos semelhante, o que me colocou na pista de tratar-se de um procedimento voltado para o mesmo tipo de tecido, o que as pesquisas mais recentes sobre fáscia tem confirmado.

No que diz respeito à sensação nos paravertebrais levantei uma hipótese ligada à ação sobre os órgãos tendinosos de Golgi, muito ativos nessa região (7).

Portanto, de forma sinuosa, as abordagens voltadas ao tecido conjuntivo sempre estiveram presentes em meus caminhos profissionais. As pesquisas sobre esse tecido nos últimos anos,  confirmam sua  importância e formam um cenário em meio ao qual fica muito mais fácil entender porque todos aqueles procedimentos realmente conversam entre si e podem constituir um método de trabalho que se impôs ao longo de tempo.

REFERÊNCIAS

  1. Teirich-Leube, Hede Massage du tissu conjonctif dans les zones reflexes. Tradução Armand Apell e H. Baldenweck. Editado pelos tradutores. Strasbourg 2ª edição sem data
  2. Kohlrausch, W. Massaje Muscular de las Zonas Reflejas Tradução J. José del Pozo. Barcelona: Toray Masson S.A.1968
  3. Bienfait, Marcel. Fáscias e Pompages. Tradução Angela Santos. São Paulo: Summus editorial, 1999.
  4. Béziers, M.M., Piret, S. A Coordenação Motora. Tradução Angela Santos. São Paulo: Summus editorial 1992
  5. Bertherat, T. Bernstein, C. O corpo tem suas razões. Tradução Estela dos Santos Abreu. São Paulo: Martins Fontes, 1977
  6. http://angelasantos.blog.br/utilizacao-do-rolo-de-espuma-para-a-coluna/
  7. http://angelasantos.blog.br/funcao-do-orgao-tendinoso-de-golgi-e-seu-efeito-na-musculatura-paravertebral-quando-da-utilizacao-do-rolo-de-espuma/

 

 

 

 

 

 

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